quarta-feira, 27 de agosto de 2008

1983


Agosto, 8.


  • EPATUR
  • Verdes Anos.
  • Psiquiatria.

    EPATUR
    Telefonei para EPATUR para conseguir espaço para apresentação da peça. Um espaço alternativo. No desespero vale qualquer lugar para apresentar o trabalho, mas não deu em nada.
    Verdes Anos.
    A cidade já se mobiliza para o novo filme que esta sendo feito. Um longa metragem em 35 milímetros. Fui convidado a atuar. Participei de uma reunião de produção num sobrado antigo no Bairro Rio Branco. Li as primeiras páginas do roteiro do filme Verdes Anos e fiquei apavorado. Escrito por Giba Assis Brasil, Álvaro Teixeira, Carlos Gerbase e o Alex Sernambi o roteiro era praticamente igual ao “Bailei na Curva”. Ainda bem que a produtora não teve condições de realizar tal empreendimento. Faltava dinheiro para achar atores infantis que sejam parecidos com os atores adultos. Resultado que a história dos Verdes Anos abrange um pedaço da história contada pelo “Bailei na Curva”. De qualquer modo filme demora e eu iria estrear antes do que eles.
    Este fato vai ao encontro de uma concepção de que as idéias não têm dono. Flutuam em suspensão, pairam no ar a espera de uma mente disponível que lhes dê guarida. A originalidade esta na disposição para viver algo que se realiza além e aquém da nossa vontade. Este foi apenas mais um dos inúmeros tratamentos de choque impostos pela vida ao meu narcisismo.

Psiquiatria.
Aula de Psiquiatria, supervisão coletiva. Um colega, Fábio, vai fazer Traumatologia e por isso, Psiquiatria é uma perda de tempo na opinião dele. Relata o caso que atende. Uma mulher envolvida em muitas confusões profissionais, noiva de um alcoolista e que não tem prazer nas relações sexuais. Na orientação é falado que provavelmente essa mulher seja um histérica que tem questões relacionada com a sexualidade. Fábio, com desenvoltura, diz que já havia feito este diagnóstico e que já resolvera o problema. Disse para a paciente que ela tinha que se organizar e deu como exemplo, que ela não devia colocar os sapatos na gaveta das calcinhas. Risos contidos de todos, inclusive da Dra. Lucrecia.



Agosto 9.


  • Vila Cuzeiro, Febem às 9 horas.

  • Não resisto, vou para o palco.

Vila Cuzeiro, Febem às 9 horas.
No trabalho de Medicina Preventiva nossa turma teve que fazer uma pesquisa de campo. Verificar as necessidade da Vila e propor soluções. O problema da vila era os ratos. Uma quantidade absurda tomava as casas. Um menino dormiu e deve ter regurgitado um pouco de leite.Atraídos pelo cheiro do leite, atacaram o menino que passava mal no hospital. Imaginei o Flautista de Amelin atraindo toda a troupe a os afogando no Guaíba. Não funcionava assim. A solução imediata seria uma lixeira. Durante o semestre tivemos muitas conversas com a Associação e eles já estavam agilizando a construção da lixeira. Fotografei o local e no final do semestre fotografei a lixeira. Tiramos A na matéria. Três meses depois de pronta, porém, a lixeira foi demolida e o material usado para mais um barraco clandestino. Tristes prioridades se impunham.

Não resisto, vou para o palco.
Claudia sugere o meu nome para entrar no palco. Eu havia jurado que desta vez seria apenas diretor. Mas a peça estava tão bonita, tudo tão certo, no lugar. Porém, um problema sério de mudança de roupa e distribuição dos personagens nas cenas iniciais obrigava a presença de outro ator. Pensamos em vários, mas sem consenso. Foi aí que a Claudia sugeriu que eu entrasse em cena. Não precisava muito, eu já estava com um pé que era um leque para subir no palco. Mesmo assim me contive. Peguei os papéis menores por opção e porque não queria me arriscar. Não me considerava bom, sentia que eu era “esforçado”. Muitos anos teriam que se passar, maioria deles dirigindo grandes atores para que no final, eu me sentisse a vontade no palco. Para que eu me sentisse um ator em cena.

Agosto, 10.

  • Filmagens.
  • Supervisão do caso da moça de olhos tristes.
  • Uma anotação.

    Filmagens.
    Nos Verde Anos fazia o professor de educação física, Cid. Usei um abrigo da Adidas azul marinho com três listas. O meu personagem usava um bigode e era assediado sexualmente por uma aluna que decidira que não seria mais virgem. O professor Cid era o felizardo escolhido para realizar tal proeza. Era uma idéia interessante porque invertia o fluxo dos assédios e fragilizava o poder estabelecido. Fiz a minha primeira cena em longa metragem na entrada do Colégio Cruzeiro do Sul. Não tinha noção onde estava a câmera nem como fazer. Quando me falaram que valeu, fiquei sem saber o que foi mesmo que valeu. Tive mais dois dias de filmagens. Um pelas ruas do bairro correndo e aceitando carona da aluna, outro dando uns beijos numas ruínas escondidas. O filme terminou para mim numa locação em São Leopoldo quando finalmente eu resolvia transar com a aluna feminista interpretada pela Xala Filipi.

Elipse 2008

O filme VERDES ANOS se tornou um cult depois da premiação no Festival de Cinema de Gramado. Circulou o Rio Grande do Sul e um pouco do Brasil também. Porém penetrou imensamente na crítica cinematográfica brasileira. Recentemente Maria do Rosário Caetano, depois de assistir Netto e o Domador de Cavalo no qual faço um personagem, o Barão de Aceguá, veio me perguntar se eu havia mesmo feito o Verdes Anos. Assim com curta que fiz na mesma época, Interlúdio, ficaram para a posteridade, embora em vida não tiveram nem um, nem outro o reconhecimento e uma entrada trinfual no meanstream. Estranho o que tempo faz com o cinema e não pode fazer pelo teatro. No teatro tudo é radicalmente imediato. Ou se ve, usifrui, vivencia no momento ou se perdeu o bonde da história.

Supervisão do caso da moça de olhos tristes.
Supervisionei o caso da minha paciente, a moça de olhos tristes. Relatei os conteúdos da sessão. Lucrecia de imediato desenhou o quadro. A minha paciente perdera o pai há alguns anos. Veio se tratar para elaborar o seu luto que ainda impede que tenha uma vida saudável. Pensei comigo que tudo na vida tem a ver com algum luto e que grande questão é o que fazer com a dor que deveras se sente.

Uma anotação.
Ao pé da página estava escrito: Renascença – teatro as terças-feiras.
Foi uma das alternativas para apresentação da peça, meio de semana. Chegamos a discutir esta possibilidade, mas decidimos que somente em último caso, pois não havia tradição para fazer teatro em meio da semana. Regina vai marcar mais uma reunião com o pessoal do Teatro do Museu do Trabalho. Torquato vai falar com a Haideé para a Reitoria. Regina vai tentar também a Aliança Francesa e a Claudia Acursso o Teatrinho do Instituto Goethe.

A busca por um teatro ocupou para a estréia do Bailei ocupou meses de produção, reuniões e conchavos infrutíferos. Se a peça não tivesse acontecido, tudo não passaria de uma rotina. Mas depois muita gente se arrependeu dos nãos distribuidos. Foi uma lição para o resto da minha vida. Escuto todos que me procuram, por mais estapafúrdia que seja a proposta, escuto, tento descobrir o que está acontecendo no íntimo pois nunca sei quando estou na frente de uma idéia genial ou de um delírio. Mas esta é a questão que toda a humanidade tem que lidar, mais cedo ou mais tarde e para o resto da vida.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008




Agosto, 3.


  • Ensaio.

    Passamos bom tempo discutindo quem entraria na peça no lugar do Néco. Um drama interno. Todo o mundo dando palpite e ninguém escutando ninguém. Aí surgiu o nome do Claudio Cruz que estava ensaiando Esperando Godot. Pensei que um diretor por perto me ajudaria nos meus momentos de incerteza. Fui até a Reitoria onde Cláudio Cruz ensaiava. Convidei. Ele estava cansado de dirigir, queria respirar um pouco o ar do palco e viver um tempo com ator. Para surpresa geral ele aceitou naquela mesma noite.



Atendi a minha primeira paciente. Uma moça bonita. Cabelo curto, livros debaixo do braço. Estuda para o vestibular. O seu olhar é sem vida. Ela fala muitas coisas e eu não entendo nada. Sinto uma tristeza muito grande. Anoto no prontuário os dados pessoais. Nome, endereço, filiação. A tristeza eu guardo comigo.

Agosto 4.



  • Roberto da Arco Filmes. Possibilidade de fazer um comercial.

    Quando o Cláudio Cruz entrou na sala de ensaios, uma boa parte do texto já estava pronto. Isso não diminuiu sua importância, pois como ele era diretor e bem mais experiente do que eu. Ao longo do processo, muitas vezes recorri a ele para tirar dúvidas. Ele entrou direto nos ensaios e se integrou muito bem ao grupo. Só havia um problema, Cláudio, ao contrário do Néco, não era nenhum galã. E eu já tinha cenas em que todas as gurias queriam o Néco. Tivemos que adaptar. No meio do ensaio alguém trocou o nome de Néco por Caco. Todos acharam graça. E eu deixei. Tinha tudo a ver.

Mesmo assim ainda faltava gente para realizar uma quantidade absurda de troca de roupas e de personagens. Precisava de mais um ator e uma atriz. Cláudio resolveu uma parte do problema. Chamamos a Lúcia que estava fazendo produção executiva para entrar em cena. Ela herdou os personagens criados pela Márcia entre eles a Lulu. Márcia não queria que eu tirasse aquele personagem dela. Mas tive que optar. A Gabriela e a Lulu tinham muitas coisas parecidas, um espírito moleque. A Márcia celebrizou a Gabriela. Nunca houve uma Gabriela como a dela. E a Lúcia, desenvolveu a Lulu a ponto dos personagens não parecerem advirem da mesma origem. Ainda faltava um ator.


Desenhava-se dentro de mim o eterno anseio de estar em cena. Uma sina.

Agosto 5.




    A foto é do lançamento de meu primeiro livro de contos, uma obra coletiva que o Abrão Slavutzki compareceu para dar o seu prestigioso apoio.

  • Alta da análise com Abrão.

    Nos últimos tempos de análise o dinheiro que meu pai destinava para o tratamento se encerrara e não tinha mais nada para vender. Tivemos que organizar uma alta. Sai aos poucos do divã e passei para o frente a frente. Neste período houve um fortalecimento da minha auto-estima. Ao contrário do que imaginava quando analisara as minhas primeiras experiências de vida onde, em virtude de uma grave hemorragia de minha mãe na sala de parto, na qual fui deixado durante horas à mercê da sorte enquanto os médicos tentavam salvar a vida da minha mãe, que de alguma forma eu valia a pena. Esta frase fecha uma das cenas finais do Bailei. Nos despedimos formalmente. Bem diverso do segundo período de análise quando eu já estava em formação. Nesta segunda oportunidade houve um agradecimento mútuo e um abraço carinho. Existem despedidas com certas pessoas que são sempre dão idéias de que estamos frente a um recomeço. A aceleração criativa produzida pelo confronto das personalidades gera frutos além da capacidade do par. Repito: o que a gente cria e sempre melhor do que aquilo que a gente é. E por isso, por nossos textos, nossas peças, nossos filhos, nosso trabalho, pelos abrigos e laços que construímos ao longo da vida, é que se passa toda a nossa evolução. E as experiências vividas acabam unindo as pessoas numa sociedade invisível, cuja única regra é manter a vida andando e intensa.

Agosto 6, sábado.
  • Curso como pessoal da CEF de manhã.


  • E ensaio na ABIPEX à tarde.

    A sala da ABIPEX era um muquiço quase na esquina da Rua Riachuelo com a Caldas Junior. O mofo da sala e sol das duas da tarde me puseram para a rua. Sentei me no cordão da calçada da Riachuelo esperando o pessoal. Ensaio sábado é foda. Todo o mundo se atrasa. Eu só não me atraso porque sou o diretor e diretor tem que dar exemplo. O pessoal foi chegando aos poucos, cheios de preguiça no corpo, digestão em processo e um pouco de ressaca. Entrar numa sala de ensaio é um exercício semelhante a começar a escrever um romance ou se preparar para uma palestra. Dá um medo e uma preguiça. É o pavor da folha em branco. Quando todo o pessoal chegou ainda resistimos um pouco mais desfrutando o calor delicado do sol de inverno. Entramos na sala e a umidade e o frio persistente nos deprimiu. Lá fora uma bela tarde de sol nos convidando. Alguém falou:
    - Vamos ensaiar na no parque.
    Já havia tido este tipo de experiência. Várias cenas do “Não Pensa” foram ensaiadas na Redenção e “O Reino do Sol” no Jardim Botânico. É muito interessante este tipo de ensaio pois na época nos remetia a performances urbanas e Porto Alegre ainda não era uma cidade com um teatro de rua tão forte como é hoje. Além disso, o caráter de subversão sempre atrai o teatreiro.
    Resolvemos ir até a Usina do Gasômetro. Começamos o ensaio depois de algum tempo a tomar sol, deitados na grama. Neste grande abraço grupal foi que surgiu, entre uma brincadeira e outra a idéia de que a personagem da carona fosse a Lu. A cena do carona já era um grande problema. De início improvisamos um acampamento em Garopaba. A viagem, a barraca, o macarrão com molho de sardinha, o saco de dormir, quem deita com quem. A Regina ensaiou vários dias uma música da Janis Joplin que eu pedi para ela cantar em cena. Todas legais, mas não foram aproveitadas, pois em que pese à vitalidade, estancava o ritmo do espetáculo. Única definição era que seria uma cena para desenvolver a história do Caco. O texto provisório tinha cinco páginas e isso corresponde há quase quinze minutos. Com o tempo, a cena foi cortada, uma partezinha aqui, outra ali, parte por parte se esvaindo até virar a cena da carona. Dois páginas de texto enxuto, preciso e cirurgico. Foi no meio desta orgia da preguiça, deitados na grama, perto da Usina que surgiu a idéia do Caco reencontrar com a Lu. Aquela guriazianha pentelha da Reunião Dançante viraria uma mulher muito gostosa na estrada para Santa Catarina. Este fechamento de cena caiu do céu como uma maçã de Newton. Justamente quando estávamos todos dormindo, viajando, devaneado. O sonho inventa a vida e somos feitos desta mesma matéria como o bardo inglês nos ensinou.
    Começamos o ensaio desta forma, meio sério, meio brincado, mais celebrando o sol e a vida do que preocupados com a peça. Balei já estava em estado adiantado de constituição e por isso relaxamos.
Dois mendigos e um ciclista pararam para nos assistir. E pelas risadas percebi que algo vital e importante estava sendo produzido. Eles foram, sem saber sequer o nome da peça, o primeiro público da Bailei na Curva.





Agosto, domingo, 7.

  • Livre.

    Anotação ao pé da página: Teofilina Bermácea. Aerolin Spay. Aerolin Solução.
    (Será que era para mim ou para o Pedro?)