segunda-feira, 4 de maio de 2009

EPILOGO DO DIARIO DE BAILEI NA CURVA

3. Epílogo
Esta é a terceira parte do livro Diário de Montagem do Bailei na Curva. Ficou um pouco longa para um blog,mas resolvi manter assim mesmo porque não achei pontos de corte. O epilogo foi esculpido em pedra única, consistente e inflexivel. Tive a paciência de poliar a solidez para que fosse um retrato cristalino de um pensamento singular. Uma espécie de legado ou testamento. Quem tiver a obstinação de chegar até o fim poderá encontrar (de novo) a força motivadora do texto e seu verdadeiro autor.

Bailei na Curva é um fenômeno como Geraldo Lopes antevira. Fez naqueles primeiros anos e confirmou depois uma trajetória surpreendente. Nos meses que se seguiram a turnê nacional o texto e a encenação se popularizaram pelo Brasil afora. Desde o centro cultural do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, avançando para Curitiba, Florianópolis, Campo Grande, Brasília e muitas outras cidades pelo inteiror deste imenso pais. Por conta disso, houve mais de quarenta montagens em todo o território nacional. Mais de uma em cada Estado, sem falar nas encenações escolares que se eternizam e, é claro, as clandestinas, as adaptadas, as surupiadas, as homenageadas por outros autores em citações e influencias. O Coração Brasileiro pulsou Bailei na Curva. Do Iapoque os Chuí, em todos os estados brasileiros houve uma ou mais montagens do Bailei. E fora do Brasil também, em Portugal fez carreira importando atores brasileiros que pegaram carona na peça e, também foi objeto de estudos em escolas americanas, teses de mestrado, temas psicanalíticos e toda a sorte de produto do pensamento que se interessava para história do Brasil e do teatro.Também muitos atores encararam os personagens de “Bailei na Curva”. Do elenco original cada um seguiu uma trajetória diversa. Cláudio Cruz, dirigiu alguns trabalhos como Esperando Godot, de Samuel Becket e Marcos IV, de Ivo Bender e encaminhou sua carreira para a literatura. Fez pós-graduação na PUC e dá aulas em Florianópolis. Saiu da peça no final de 1984. Todos nós sabíamos que sua participação como ator era temporária. A mente criativa do Cláudio estava disposta a encarar outros desafios e estes se realizaram no plano da escrita e da literatura. Saiu num final de temporada do Theatro São Pedro. No portão de serviço ele comunicou o grupo, um pouco informal, um pouco sem emoção. Era o seu jeito de ser que não demonstrava muito afeto. No entanto, esta aparente indiferença se dissipou ano 2000. Com a nova encenação, novo elenco e a peça na mídia novamente, voltou a ligar para o Flávio cobrando que a sua filha não acreditava que ele tivesse feito o Bailei pois o seu nome não aparecia no programa. Mas, para que interessar possa, ele fez. E fez muito bem. Para o lugar do Cláudio já existia o Fernando Severino que era o sonoplasta e sabia todos os textos da peça de cor. Antes de o texto ser publicado, Fernando era o nossa memória oral. Não raro nas viagens ele representava os vários personagens, sozinho interpretando e falando o texto de todos durante as longas viagens. Era a maneira de fazer o tempo passar. Fernando era um ótimo ator. Trabalhou em Lisístrata, A Fonte, Partituras e Hamletmachine. Morreu de AIDS. Sua última temporada no TSP ele estava debilitado pela doença. Usava um fio de voz e a cada intervalo corria para o camarim para descansar. Ofegava após cada fala. Mesmo assim era um exemplo de técnica e disciplina. Com um mínimo de recursos físicos tirava o máximo de efeito teatral. Não pode fazer a apresentação do domingo, última da temporada de 94. Ficou no camarim um do Theatro São Pedro, o camarim das estrelas, deitado escutando a peça e barulho dos pés se movendo em cena. É uma bela música a percussão dos sapatos na madeira do palco. Sincopada, irregular e de repente silenciosa. Fernando saiu de cena dois meses depois, fraco, magro, mas sempre lutando, um ator até o fim. O Fernando Severino e o seu Caco ficam para sempre na memória, pois é ali o verdadeiro palco da vida eterna. Hermes Mancilha se afastou do grupo em silêncio, um dia saiu da sala de ensaios como quem vai comprar cigarros e não volta nunca mais. Eu falei alguma coisa, ele escutou e foi embora. Devo ter dito alguma bobagem e o machuquei. O Hermes foi um dos atores que mais interpretou Bailei na Curva. Na volta da peça, em 94, ele já havia dirigido vários trabalhos e foi coerente com suas propostas de vida. Deu aula no Centro Vida. Também ficou doente. Afastou-se do Bailei 95 para cumprir uma tarefa espiritual. Cumpriu. Virou uma entidade amada e admirada por todos. Eterno Pedro. Claudia Acursso foi uma das atrizes mais inteligentes com quem trabalhei. Extremamente sagaz e criativa. Optou pela Fisioterapia e tem hoje uma dedicação muito sensível para com pacientes com lesão cerebral e com idosos. Lúcia Serpa foi para São Paulo. Entrou no mercado, saiu do mercado, foi fazer comerciais, foi fazer teatro de pesquisa. Mora no Nordeste, dá aulas de teatro e tem um trabalho muito rico em disseminação da arte teatro fora do eixo Rio-SP. Regina Goulart mora em São Paulo. Casou-se e o marido dela é psicólogo, mas ao contrário da Ruth, emagreceu mais de vinte quilos e tem seu próprio trabalho. Dá aulas de interpretação, atua como atriz e, para rimar, está muito feliz. Flávio Bicca Rocha saiu do Banco do Brasil, dirigiu algumas peças, produziu outras. Um grande ator, especialmente na comédia, tem um tempo cênico excelente e é brilhante na caracterização. Hoje é um empresário de teatro sem deixar de ser ator e músico. Criou, junto com Rogério Berreta e Zé Victor Castiel dois dos eventos mais importantes do teatro gaúcho: Porto Verão Alegre e a Mostra de Inverno. Márcia do Canto emplacou mais um sucesso com “Escondida na Calcinha”, morou no Rio de Janeiro. Fez algumas novelas como “Barriga de Aluguel” e “Floradas na Serra”. Depois voltou para Porto Alegre, escreve e dirige teatro. Fez um trabalho muito bonito de animação em hospitais. Dedica-se a integração entre o teatro e o cinema.Marcos Breda, Neneca Cavalheiro e Marley Danckward também participaram daqueles primeiros anos do Bailei. Breda entrara no grupo para o trabalho seguinte, mas compromissos trouxeram de volta o “Bailei na Curva” e, em 1984, Breda foi integrado ao elenco. Muita gente acha até hoje que ele trabalhou desde o início. O fato é que a divulgação acabava colocando o Breda em destaque pois era o nome nacional de maior evidência por conta do filme Feliz Ano Velho no qual protagonizada a película. A Marley entrou no lugar da Claudia e fez um grande trabalho. Fiel e leal manteve a dignidade. A Neneca veio de Pelotas para entrar no Grupo, os ventos do sul e as tarde ensolaradas na praia do Laranjal fizeram efeito sobre ela. Era completamente avoada. Ficou na peça até o fim. Trabalhamos juntos em “Cabeça-quebra-cabeça” e ela fazia um empregada muito engraçada. Quando o grupo terminou ela foi tentar a sorte na Europa. Comprou milhares de coisas a crédito e foi embora. Casou com um italiano e vive muito bem. O telefone na minha casa tocava por causa dela. Lojas cobrando a prestação.Geraldo Lopes seguiu sendo o grande produtor do Rio Grande do Sul. Depois de alguns anos trabalhando juntos a Opus resolveu retornar a ser uma produtora de eventos mais do que uma produtora de espetáculos locais. Eu e toda a minha geração devemos ao Geraldo o espírito profissional. O conceito de fazer teatro para grande público sem nunca perder a qualidade artística. A Opus cresceu e a sede se aproximou da RBS, cravada no pé do morro. No antigo escritório da Praia de Belas 2310 instalou-se um Instituto de Beleza.Eu fiz psicanálise, me afastei temporariamente do teatro comercial e trabalhei durante seis anos com teatro de rua e novos grupos. Desta experiência surgiram vários grupos que hoje despontam. Fiz alguns espetáculos que eu gostava mas que não tiveram grande repercussão de público até que com “Se Meu Ponto G Falasse” encontrei outro sucesso do tamanho do Bailei. Como ator participei de três grandes sucessos teatrais “A Verdadeira História de Édipo Rei” – substituindo o Lui Strassburgo, Trem-Bala e Almas Gêmeas estas duas últimas como direção de Irene Britskie e texto de Martha Medeiros. De qualquer forma com o “Se Meu Ponto G Falasse” acabou-se a mítica de que eu era um diretor de uma peça única. Mesmo que assim fosse, ter no currículo uma peça como Bailei na Curva, permanecer vinte anos em cartaz e saber que a criatura sobreviverá ao criador é uma experiência mais do que realizadora. Bailei foi uma quebra de paradigma e isso não se escolho, se acolhe. E tal fato, queiram ou não queiram, confere um sentido de uma carreira.

Quando me mudei para Porto Alegre, dia primeiro de março de 1964, estava com oito anos de idade. A primeira experiência além de jogar futebol na calçada da Dario Pederneiras e, no primeiro de abril daquele ano, fugir no Simca Chambor preto do meu pai, é de uma Gincana. Ela não se encadeira pela cronologia àquele primeiro de abril de 64, mas sim emocionalmente. Marca um tipo especial de encontro com a cidade. Foi na atividade coletiva da Gincana mobilizando famílias e vizinhos, amigos e parentes, que se evidenciou uma Porto Alegre prosaica e delicada. Quase ingênua, uma Porto Alegre paraíso perdido. Chamou a atenção que a Gincana mobilizou toda a comunidade. Pais e filhos envolvidos numa imensa brincadeira. Meu pai, sempre tão tomado pelo trabalho, liderou uma das equipes. Ele estava entusiasmado e divertido, coordenou toda a vizinhança. O dono da rua. As tarefas eram de encontrar pequenos objetos esquecidos, buscar pessoas que se vê todo o dia e por isso mesmo mergulhadas na invisibilidade do cotidiano, mostrar lembranças de família, um quadro do século passado, uma cuíca que o locutor da rádio chamou equivocadamente de cueca na madrugada, um prato do restaurante que não existe mais, uma garrafa, um espada de Bento Gonçalves, um rótulo. E para finalizar com chave de ouro, a entrega de prêmio foi transmitida pela TV, ao vivo. Essas impressões ficaram na minha memória e talvez por isso fui guardando pequenas lembranças, como uma criança que coleciona caixinhas de fósforos ou anéis de charutos, fui guardando um fato aqui, uma palavra ali, um rosto mais além, um gesto intrigante. Foram milhares de souvenires que a experiência me ofertou e eu os colecionei. Imaginava que algum dia elas seriam úteis para alguma coisa.

Com elas construo o meu dia-a-dia e escrevo algumas histórias como esta.

Pedro segue com suas dificuldades neurológicas. Todos dizem que ele é a minha cara. Se pudesse ficar de pé seria mais alto do que eu, talvez um metro e noventa, seus braços são longos e esquerdo tem mais desenvoltura do que o direito. Este se fecha com um canivete pelo espasmo de flexores. Ele tem uma boca muito grande e sorri de um jeito engraçado. Mas o melhor são seus grandes olhos azuis, sempre arregalado e quando quer evitar a aproximação, se tornam dissimulados, divergindo o olhar e instalando uma invisibilidade protetora. Mesmo com paralisia cerebral que o atinge, ele consegue ter tudo o que deseja na vida e quem olha para ele vê que é uma pessoa feliz. Muito bem cuidada graças à dedicação da Márcia do Canto. Quando ele nasceu, éramos jovens e cheios de saúde por isso sempre intrigou a lesão. Aventou-se mil hipóteses a respeito da doença. Até que há poucos anos se descobriu que houve uma má formação de um folheto embrionário, uma pequena película que deveria recobrir o que mais tarde seria o cérebro, não cumpriu o seu papel deixando que neurônios desamparados se proliferassem em turbulência. Este desdobramento do folheto deveria acontecer em torno do sétimo dia. Deve ter sido no exato momento em que Deus distraído, descansou. Pedro segue constante num mundo mutável. Uma pedra no caminho. E ele no caminho fez com que se criasse caminhos para além dele. Um dos filmes mais marcantes da minha vida foi Zorba , o grego. Assisti numa sessão da tarde de um Ciclo do Bristol. O escritor em contato com Zorba, com Antony Quin descobre que uma dose de loucura é necessária para nos libertar das amarras. E logo depois que toda parafernália desaba e leva a bancarota o escritor, personagem do Alan Bates, Zorba pergunta:- Alguém já viu alguma vez um desastre mais magnífico do que este? - E bailam solitários numa ilha grega.

O grupo trabalhou bem até que os atritos anunciados na briga no Teatro da Assembléia, explodiram e chegou a tormenta. O grupo se dividiu. Personalidades fortes entraram em choque. As polêmicas não eram resolutivas. Quando uma decisão ia para votação o resultado era conhecido de antemão. Cinco a três. De um lado eu, Márcia, Flávio, Regina e Hermes de outro Lúcia, Cláudia e Cláudio. Porém o resultado da votação era aceito mas não acolhido. Ficava um rancor e uma subversão. Começaram as dissidências e o grupo foi processando as saídas e as entradas até que numa reunião no apartamento da Regina foi proclamada a dissolução. Como toda a glória é fugaz, valeu a pena enquanto durou. Foi a maior experiência criativa em grupo que já vivi.Durante o mês de julho de 85 Regina quebrou a perna e foi substituída pela Miriam Tessler. Durante esta substituição o Flávio se irritou. A pressão externa para que a peça terminasse era grande. Não era suportável um sucesso do porte do Bailei na Curva dentro de uma classe teatral como a de Porto Alegre. Na discussão comigo ele saiu do grupo e ainda propôs que uma vez que eu começara todo o processo da peça, ele terminaria. Olha eu de novo na plataforma do Petrópole Tênis Clube. Saltei substituindo o Flávio.Hermes Mancilha e Márcia do Canto foram os únicos atores que participaram de todas a apresentações daquele primeiro período do Bailei. Foram em torno de trezentas apresentações desde o 1º de outubro de 1983 até o 22 de dezembro de 1985, quando o palco, na cena final, foi invadido por uma emoção transbordante. Estávamos todos chorando e nenhum ator conseguia cantar. Nem precisava. A platéia cantava por nós. Existe uma foto do Luiz Antonio Guerreiro, tirada de dentro do palco, na qual estamos todos de costas, abraçados e se via a platéia de pé aplaudindo. Choveram flores no palco como no dia da estréia.Depois daquela noite a peça esteve fora de cartaz por nove anos.

Voltou a cartaz no Theatro São Pedro no dia 4 de agosto de 1994. No elenco Fernando Severino, Flávio Bicca Rocha, Hermes Mancilha, Lúcia Serpa, Márcia do Canto, Marley Danckwardt, Marcos Breda e Regina Goularth. Esta segunda montagem se manteve em cartaz até 97 perfazendo um torno de quatrocentas apresentações.Uma terceira encenação foi realizada no ano 2000 com elenco todo renovado. Tiago Conte, Cíntia Ferrer, João Walker, Patrícia Mendes, Ju Brondani, Julinho Andrade, Tiago Leal, Miila Derzet. Estes últimos depois substituídos por Tuta Camargo, Érico Ramos e Mariana Vellinho.Esta montagem atravessou o final do século atingindo a marca de mais 1000 apresentações. Incluindo festa de 25 anos em cartaz.

No início deste relato, escrevei sobre a perda do César no meio do meu nome. E era, entre outras coisas, um dos motivos do livro. Qualquer ato humano sustenta dentro de si a necessidade de decifração do seu próprio enigma. A Esfinge nos acompanha, palavra originada de esfíncter, marca os estreitamentos, os rituais de passagem. É disso que trata este livro, pois neste trajeto onde o sucesso do Bailei veio como um furacão derrubando tudo pela frente, estrangulando as possibilidades e descortinando o istmo, César saiu de cartaz. Sumiu primeiro do folder da peça, saiu da divulgação, depois nas entrevistas e assim foi saindo de fininho, a francesa como se nunca tivesse existido. Comecei a assinar com o mesmo nome do meu avô. No entanto, não era este o destino programado para mim. Outro nome me era destinado: Jorge Luiz. Porém, meu pai se viu obrigado a trocar o meu nome um mês antes do meu nascimento, pois na mitológica Forqueta, nasceu um menino que recebeu o tal nome. Imagino que surrupiados do nome que deve ter atravessado a gravidez, meus pais ficaram a mercê de moções obscuras de suas mentes. Pressionados por forças ambíguas, recebi o nome de meu avô paterno, Júlio Conte, que viveu relações turbulentas com meu pai. É provável que tenha sido uma surpresa o fato de meu pai ter escolhido este mesmo nome para mim. Um pequeno ardil da parte obscura de nossas mentes. Um pedaço de amor disfarçado por um álibi do César. Este aponta toda a predileção de meu pai pela mítica romana. Quando era criança assisti com ele aos filmes épico romano e aos filmes de ação estrelados por atores canastrões e musculosos que interpretaram Hercules a Maciste e também quase todos os que tinham uma temática bíblica. Em todos, carregado pela mão de meu pai assisti Os Dez Mandamentos, primeira vez que fui ao cinema, até A Queda do Império Romano no Cine Vitória. Neste aparece a famosa frase de Júlio César: vim, vi, venci. Júlio César foi a marca da ambivalência da relação do meu pai como o pai dele, e o estigma de um afeto camuflado quase clandestino que une as geração e também meu uniu a meu pai dessa forma. No diálogo mudo da sala de cinema, conheci o afeto sutil de meu pai. Ele me sonhou imperador, por isso, a perda do César foi a perda da onipotência. Corte e cicatriz. Prova que a vida nos toca de uma forma intensa e irreversível, que toda chama carrega junto a sua escuridão. A vida é de uma intensidade feroz e arrasta seu manto de fragilidade através da transitoriedade. Toda glória é fugaz. Estava escrito no pórtico de Roma que conheci no cinema e acontecia violentamente na minha vida.Nos anos 90 e 2000 a tormenta anunciada mostrou uma nova face. Começaram muitas discussões sobre a autoria verdadeira do Bailei na Curva. Depois que nasceu cada um dos participantes do processo reivindicou a paternidade da autoria. Se examinarmos bem, todos os grandes criadores de espetáculo a partir de improvisações e que fizeram o que eu fiz, que é o roteiro, a organização e a dramaturgia, assinaram os seus textos. Foi assim com Schools Out, foi assim com as peças do Carlos Meceni e com o grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone e muitos outros. Eu propus algo diferente. Dividi a autoria com todos. Até mesmo Cláudio Cruz e Lúcia Serpa que entraram na peça quando o texto já estava quase completamente pronto tiveram a oportunidade de assinar a autoria. Ele não quis assinar sua participação autoral por que não achou justo. Lúcia achou. Não abri e não abro mão do roteiro que é na verdade o trabalho de organização. Tinha também o argumento, a metáfora desencadeadora, a idéia geminal. Fiz uma bricolagem, cena por cena, fala por fala, clima por clima, foi a montagem da peça e simultaneamente do texto. Este por sua vez, ao contrário da maioria dos textos criados nesta modalidade, “Bailei na Curva” sobreviveu. Acredito ser resultado da marca dramaturgica que nele imprimi como autor. Uma curva dramática peculiar do meu trabalho como dramaturgo já aparecia no “Não Pensa” e segue nos textos atuais. Humor, comédia e quando menos se espera, a emoção. Toda gargalhada tem escondida dentro de si uma lágrima, um lamento encoberto. Meu trabalho foi desvenda-lo. Das improvisações eu fiz a seleção do que deveria entrar e do que foi descartado. Mesmo nas remontagens de 84 e 2001 eu re-escrevi novas cenas, aglutinei outras, cortei algumas. Inseri novos personagens ficcionais e revivi personagens da história do Brasil. Nunca parei de fazer a bricolagem de dramaturgo. Poderia ter assinado só, não o fiz por insegurança, não o fiz para manter a unidade do grupo, mas também porque não sentia justa tal idéia. A concepção veio a minha mente, não necessariamente original, mas sim particular e subjetiva. Com outro grupo teríamos outra peça. A minha sensibilidade determinou o Bailei, pois escutei cada um e retirei de cada um dos atores o que eles tinham de melhor. E dei a cada um deles uma sensação que a peça era nossa.

Se tivesse, a rigor, que decidir quem escreveu o Bailei, teria que encontrar o algo que subjaz trás disso tudo. Um impulso essencial moveu todo este ritual de passagem. Uma alma que paira na minha mente durante todas as horas do dia, como um anjo da guarda, uma alma que segue comigo, invariável, eterna, imortal e sempre a mesma, embora eu fiquei longos períodos sem vê-lo, mas sempre está presente, sempre invariavelmente inspirador, sempre imutável.
O nome do autor do Bailei na Curva então seria Pedro do Canto Conte.




30 de dezembro de 1983

Dezembro, 30.

  1. Balanço dos objetivos.

Na última página da agenda encontra-se os objetivos para o ano. No primeiro semestre está escrito: passar nas disciplinas de Cirurgia, Medicina Legal, Patologia IV e V. Estética I. Prêmio Qorpo Santo de Dramaturgia – 1° lugar. Troféu Açorianos. Novo trabalho um sucesso!!! Curso (de teatro para a CEF) funcionar bem. Saúde do Pedro. Amor.

Para o segundo semestre foi anotado depois. Passar em Medicina: Pediatria, Psiquiatria, Medicina Preventiva. No CAD: Dramaturgia II. Bailei na Curva: grande espetáculo, sucesso de público e de crítica. Trabalho: continuar o curso.
Conferidos os resultados tirei conceito B em todas as disciplinas exceto Patologia V que tirei C. Em Pediatria, Psiquiatria e Medicina Preventiva tirei “A”. Recebi o prêmio Qorpo Santo, em segundo lugar. Um OK ao lado do Troféu Açorianos. O curso foi bem. O novo trabalho foi o Bailei na Curva, um sucesso de público e de crítica.
Balanço final: foi um ano bom.

Dezembro, 31.

  1. Free-way.

Fui passar o Reveillon na Rainha do Mar. Troquei a Brasília por uma Ipanema azul metálico. Era uma tarde de sol, e estava na free-way com o vidro aberto. O vento do litoral me lembrou um filme do Fellini. O sol queimava meu braço esquerdo, mas eu não me importei. Imaginei a passagem de ano na beira da praia, o quiosque e o foguetório. Talvez mais lágrimas. Pedro no banco de trás e Márcia absorta contemplavam a paisagem. Guardo esta imagem quase como um acaso. Nada de mais. Apenas uma lembrança das muitas que carrego sem saber bem o motivo. Seria bonito se naquela hora, eu estivesse pensando no ano que terminava, nos ensaios, na estréia no IPE, nas reuniões com a Opus ou na apresentação da Assembléia. Mas não pensava nisso. Nada na minha mente além do instante. De repente, um frio me percorreu a alma e não sabia se tinha vontade chorar ou de ri. Sabia que algum dia teria que digerir estes fatos todos, o ano de 1983, toda essa emoção.
E aquele foi só o primeiro ano do resto de minha vida.

13 de dezembro de 1983

Dezembro, terça-feira, 13.

  1. Apresentação extra.

Superamos a briga. Não havia mais uma garrafa de conhaque no camarim. O espetáculo começou tenso e a ansiedade se dissipou nas gargalhas e na emoção. A briga trouxa a tona toda a paranóia de final de temporada e a fantasia de última vez. Parecia prenunciar um fim próximo para o Bailei na Curva.

Dezembro, 15-16-17-18.

  1. Bailei.
  2. Última apresentação do ano de 1983.
  3. Público pagante: 6.389
  4. Total: 7385
  5. Média 211 por dia. (Teatro do IPE – capacidade de 200/ Teatro da Assembléia – capacidade de 600)
  6. Total de apresentações: 35.

As anotações são refentes a uma espécie de balanço das temporadas do ano de 1983. No final da última apresentação da peça no Teatro da Assembléia aconteceu uma das muitas surpresas que o Geraldo Lopes gostava de oferecer para o elenco. O coral da Unisinos começou a cantar Horizontes junto com os atores, mas aos poucos a sonoridade foi se expandindo e tomou conta da platéia, deixando o palco em segundo plano e colocando ênfase na platéia. As vozes do coral, sob a regência do maestro Zé Pedro Boéssio, tomaram o teatro da Assembléia. Uma voz aqui outra ali e o somatório resultou numa emoção imensa. Estávamos frente ao fenômeno Bailei na Curva. Não tinha noção do que isso representaria. Não tinha a noção que eu passaria os próximos vinte e tantos anos envolvido com esta peça de teatro.

12 de dezembro de 1983

Dezembro, segunda-feira, 12.



  1. Apresentação extra.

  2. A primeira briga: toda glória é fugaz.

Apresentação extra.
Final da temporada e uma sensação de que aquilo que era sólido poderia se disolver no ar. Precisava de um registro. O texto, embora estabilizado pelo palco, tinha um registro precário. Isso sem falar de que ainda estava em evolução. Toda semana tínhamos piadas novas, formulações de texto diversas. O texto forjado sob o signo da improvisação guardava um frescor que se renovava a cada apresentação. O ritmo das falas era frenético, o elenco era energia pura palco. A coisa estava viva e em constante movimento. Uma forma teatral difícil de teorizar, pois era a um só tempo singela e complexa.


Gravações de VHS era uma raridade. Contratamos uma empresa para gravar a peça afim de reter, em algum lugar além da nossas memoras, o momento que vivíamos. Não via com aquilo pudesse ir muito adiante, mas não queria que terminasse.
Airton Bebeti, um colega meu do Colégio N.S. do Rosário gravou o espetáculo. O equipamento era rudimentar. Nada a ver com as câmeras compactas de hoje. Era uma parafernália que exigia o próprio aparelho de videocassete e uma série de fios e transformadores elétricos. O resultado foi uma gravação simples, câmera parada, nenhum movimento. Airton Bebeti estava, como nós, aprendendo um ofício.

A primeira briga.
Foi justamente neste dia que tivemos a primeira grande briga no Bailei. Acho que foi por causa de alguns goles a mais de conhaque que o Hermes tomou e que a Regina se irritou com um travalíngua na cena da Casa da Dona Elvira e foi isso. O conhaque era frequentador constante dos camarins de teatre e tradicionalmente usado sob o pretexto de aquecer a voz. Porém corre-se sempre o risco ficar além da dose recomendada. Hermes e a Regina discutiram ainda antes de enrtarem em cena, depois durante a peça e a confusão avançou sobre todos invadindo o camarim. Quando subi com a câmera para gravar os bastidores, vi um camarim de guerra, rostos tensos, ansiedades e parecia que todos tinham se calado quando entrei acompanhado do cameramen. Parecia uma cidade sitiada com mísseis verbais atravessando o espaço que subitamente silencia para verificar os estragos. O espelho refletiu um estado de agressão inédito mas latente. O depoimento da Claudia foi muito querido. Enquanto arrefecia os ânimos ela varria o camarim. A câmera veio até ela que, marota, falou que a vida era cheia de emoções acumulada e às vezes tínhamos que botar para fora. Depois varrer a sujeira. Meu depoimento foi de indignação. Como é que podia ter uma platéia de quinhentos pagantes aplaudindo de pé e uma briga infantil dentro do elenco. Na parede do camarim, herança de outro espetáculo, uma frase escrita com pincel atomico carregava a sabadoria dos séculos de vaidade humana cujas legiões romanas vitoriosas tinham que prestar culto: toda a glória é fugaz. Pedi para Bebeti gravar aquela frase. Teatro é a arte da transitoriedade e mesmo assim uma das tarefas humanas mais difícil é lidar com o transitório. A vaidade exige eternidade, doce ilusão. A briga foi o prenuncio da dificuldade de administração de um sucesso. Existem dois eventos fatais para um grupo de teatro: um grande fracasso ou um grande sucesso. O caminho do meio, o médio, o medíocre é sempre constante. E tranqüilizador. Aquela briga no palco da Assembléia era uma pequena nuvem num céu cristalino. Mas, com se sabe, uma pequena instabilidade ao amanhecer, pode-se revelar uma tormenta no final do dia.


Esta foto foi tirada quase um ano depois do episódio acima descrito. Foi a volta da viagem do Projeto Mambembão 1984. Depois de meses em cartaz no RGS a viagem através do Brasil, mesmo com todo o conforto de hotéis e passagens aéras, a tensão cresceu e preparava-se a cisão. Aqui podemos ver os rostos cansados e a melancolia que se aproximava do grupo.

8 de dezembro 1983


Dezembro, 8.


  1. Reestréia do Bailei na Curva na Assembléia Legislativa.

  2. Elipse

No camarim comentamos que era aniversário da morte de John Lennon. Queríamos prestar uma homenagem. No final concluímos que o trabalho é a melhor homenagem que se presta a quem já foi.


Elipse
Eu estava em Pelotas no dia que Jonh Lennon foi morto. Foi a última apresentação da peça Joaquim Murieta, texto de Pablo Neruda. Eu fazia o papel título e nome do grupo era Os Sobreviventes. Dirigido por Luis Eduardo Crescente, um professor de direção para mim. Tínhamos um uma equipe de trabalho muito bacana. Eduardo Fachel, Claudia Meghetti, Isis Medeiros, Oscar Simch e uma porção de gente boa. Quando me convidaram para participar da peça Scholl’s Out, e não aceitei por causa deste grupo. Com Os Sobreviventes ensaiei tudo que viria a fazer depois. Dirigir, escrever e atuar. Acho que foi neste dia que o grupo terminou. Antes de começar a peça eu fui até a platéia e oferecemos aquela apresentação para Jonh Lennon. Um cara levantou o braço esquerdo, punho fechado e cabeça baixa. Instante de reverencia.
Sentia que eu tinha que fazer alguma coisa que valesse a pena viver a minha vida.



Dezembro, 9-10-11.



  1. Anotações.

  2. Assembléia.

  3. Grêmio em Tóquio.

Anotações


No pé da página da agenda encontro a seguinte lista: cadeiras / roupas / sapatos / malinha. E não sei o que quer dizer.

Assembléia.


Três apresentações maravilhosas. Público lotou os três dias. Eu achava que seria bom fazer uma sessão extra, mas o Geraldo, sempre cauteloso, preferiu esperar as vendas. A cautela do Geraldo sempre esteve contrabalançada pelo meu entusiasmo que se manifestava mesmo quando eu não acreditava mais. Ele apoiado na experiência, eu no desejo. Sonhava com um profissionalismo, um público cativo, prestígio para os artistas. Um teatro que conquista o seu mercado e se mantém como arte. Nada disso existia.
Tinha que ser inventado.

Grêmio em Tóquio.


Grêmio joga com o Hamburgo SV no Estádio Nacional de Tóquio no Japão. Depois da peça fomos para a casa da Lúcia Serpa na Av. Ganzo. Na garagem foi colocada uma pequena TV e assistimos ao jogo. No meu corpo ainda o efeito da peça, do público e da apresentação deixa para segundo plano a emoção do jogo. Só vibro mesmo no segundo gol do Renato, o gol do título. Estranho a sensação, o Grêmio sempre foi uma parte importante da minha vida. Quando criança, sempre que o Grêmio perdia, eu tinha ataques de asma a ponto de minha mãe que é colorada, torcer pelo Grêmio a fim de que eu não ficasse doente. Nesta noite, uma das mais importantes do Grêmio, era quase um fato comum, banal, inebriado que eu estava com o efeito Bailei na Curva.

5 de dezembro de 1983


Dezembro, 5.
  1. Primeira viagem do Bailei. Caxias.

Viagem para Caxias do Sul foi uma volta para casa onde nasci. Por coincidência, a primeira viagem do Bailei. O ônibus entrou em Forqueta. Passei em frente a minha casa. Na esquina tinha um jardim na frente com um avarandado. As janelas dos quartos viradas para a rua e aos fundos um pátio com árvores frutíferas, horta, galinheiro, chiqueiro e estrebaria. A casa ficava em frente à Cooperativa Vinícola que meu Avô Joaquim idealizou e meu tio e meu pai trabalharam. Ficava também perto da praça que meu pai construiu quando foi Prefeito de Caxias do Sul. Perto da estação do trem, onde alguns metros adiante ficava o armazém onde minha mãe nasceu e da casa da Vó Virgínia. Passamos pelo campo de futebol do União Forquetense, o Grupo Escolar onde estudei e subimos até a igreja e passamos pelo cemitério. Passei por toda essa Forqueta da minha infância, Forqueta dos meus sonhos. Forqueta que não existe.
Depois deixamos o Airton Dias, operador de luz, no Desvio Rizzo e fomos para Caxias para a apresentação. Lembro que uma mulher que assistiu e veio falar comigo. Falou seu nome. Maria de Lourdes, fora minha colega de curso primário no Grupo Escolar. Uma mulher já madura, mas havia alguns traços da menina que sentava na classe a minha frente, algo familiar. Havia nela, como em todos nós, alguns traços daquela criança que um dia fomos. E isso não é uma metáfora nem uma linguagem simbólica, há sempre uma coisa física que nos relembra algo que um viveu em nós. E a minha surpresa não é a permanecia da criança, mas como nos transformamos. A pessoa na minha frente era uma estranha mas falava uma língua familiar. Nos abraçamos. À noite no apartamento dos meus pais, sonhei com dragões. Alguma coisa acontecia, algo de novo que eu não sabia o que.

4 de dezembro 1983

Dezembro, 4.



  1. Grêmio se despede de Porto Alegre rumo a Tóquio.

  2. Gravação especial de fim de ano.

Grêmio partiu para Tóquio para o jogo contra o Hamburgo SV em busca de um título mundial. No time os novos contratados: Mário Sérgio e Paulo César Caju.

Domingo à tarde entre o Green Park e o Gigantinho aconteceu a gravação do show musical para a TV Gaúcha, para ser apresentado no dia 1º de janeiro de 1984 as 11 horas da manhã. Direção de Alfredo Fedrizzi e Alice Urbim o show tinha tomadas aéreas feitas de um helicóptero. Domingo de sol, o Parque da Marinha lotado, o mestre de cerimônia foi o poeta Retamozzo que fazia sucesso com o show Quem Tem QI Vai. As atrações do show foram Bebeto Alves, Vitor Ramil, Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro, Musical Saracura, Leo Ferlauto, Mário Bárbara Dornelles, Canto Livre e finalizava com o Flávio Bicca Rocha. A música Horizontes começava a sua trajetória. Já era tocada nas rádios e entrava gradualmente no imaginário da cidade e por isso, Flávio foi convidado para fechar o evento. Antes do show, ficamos atrás do palco com músicos já conhecidos. Entramos em cena quase ao entardecer. Todo o elenco da peça subiu ao palco para cantar. Inclusive eu. Como cantor fiz uma ótima performance de mímica. Bem longe do microfone por via das dúvidas. Flávio usava um chapéu de palha e as atrizes faziam uma ótima performance.
As tomadas aéreas e mostravam uma cidade iluminada pela luz espectral e transversa. O vislumbre de um novo olhar sobre Porto Alegre se apresentava ao horizonte.

2 de dezembro 1983

Dezembro, 2.




  1. Gravação do Reveillon 84.

No Veleiro do Sul aconteceu a gravação do Reveillon do RBS. Convidados apenas as celebridades da cidade, e neste ano o traje era a fantasia. As estrelas da TV eram a apresentadora Maria do Carmo que foi de Carmen Miranda, Balala Campos apresentou-se como Dondoca Enlouquecida e o circunspeto maestro Celso Loureiro Chaves, então apresentador de um quadro de música, foi de Gaudério dos Pampas. Todos o elenco foi convidado e pela primeira vez participamos da tradicional festa de fim de ano. Eu fui de mafioso, afinal, o sangue sempre fala mais alto. Entrei no salão vestido de Don Conteone!

Dezembro, 3.



  1. Acre vai a Rússia.

  2. Homens de papel.


  3. Peças em cartaz.

Acre Vai a Rússia

Élcio Rossini, um artista plástico com muito talento para o tudo, inclusive para ser ator entrou em cartaz na esteira do grupo Balaio de Gatos. Ele liderava o elenco de Acre Vai a Rússia, na sala Álvaro Moreira, uma proposta de um teatro experimental e anárquico.

Homens de papel.
No mesmo sábado, Homens de Papel estreou no Teatro do Museu do Trabalho. Texto de Plínio Marcos, com o grupo da Caixa Econômica Federal. A encenação foi o resultado do curso. O preço do ingresso era de Cr$ 1.500,00 e Cr$ 1.000,00.

Peças em cartaz.
O Vale dos Pimentões do grupo Balaio de Gatos estava em cartaz na Aliança Francesa com Patsy Cecato no elenco. Fernando Severino estava em cena com a peça Segundo Tempo com a qual receberia o prêmio Açoriano de melhor ator seria convidado para participar do Grupo Do Jeito Que Dá. Geraldo Lopes trouxe o Raices de America no Salão de Atos de UFRGS e Miguel Proença na Reitoria e me deu convite. O Retorno de Jedi entrava em cartaz no Cinema Imperial mas eu assisti no Cinema Marrocos. E finalmente A Cantora Careca do Torquato Filho estreou no Teatrinho do DAD. João Batista Dimmer e Torquato no elenco fizeram o que era possível fazer com Ionesco no exíguo espaço que a cidade destinava para o teatro. E, como o previsto, a peça não fez nem uma parte do sucesso do Bailei na Curva embora a direção competente do Antonio Gilberto e uma ótima atuação do Torquato.


O Teatro Sete de Abril em Pelotas reabriu suas portas e novos ares invadiam a cena teatral do Sul do Brasil.

22 de novembro de 1983

Novembro, 22.

  1. Psiquiatria.

Encerrei o tratamento com a moça dos olhos tristes. Depois do episódio do Carimbador ela abriu o livro de sua vida para mim. Na minha inexperiência ofereci o que tinha de melhor, minha atenção e uma escuta solidária. Não tinha mais recursos do que esses. Anos depois no Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre, onde fiz a minha formação em psicanálise, aprendi com um professor que a primeira coisa que se pode fazer com um paciente é recebe-lo. Com o tempo se pode compreende-lo, para só então, depois algum tempo, conseguir operar. Compreender e operar dependem do aprendizado e são questões técnicas. Acolher advém de algo que cada um tem dentro de si e depende do quanto se foi acolhido. A vida se faz assim, de mãos que seguram outras mãos formando a grande rede dos afetos. A grande rede da solidariedade. Um mundo reticular feito do que há de mais frágil dentro de nós.

Novembro, 25.

  1. Vim Vadia do Nelson Coelho de Castro.

Comprei o LP do Nelson Coelho de Castro. Vim Vadia fora produzido pela Continental – RGE era o resultado de uma série de show que vinham sendo testados desde o início do ano no Bar do IAB. Nelson sempre se colocou com um teórico da produção artística gaúcha, tivera experiências com produções independentes e sustentara uma cultura da resistência fora da mídia global e do eixo das grandes produtoras. Além de músico era um teórico do processo cultural. Na contra-capa havia uma foto linda. Nelson com cabelos longos ao vento e um copo na mão. Do um lado uma mulher com pulôver listrado e no outro uma criança. O retrato feito no inverno de 83 tem como pano de fundo a rua Felipe Néri. O autor é o hoje conceituado artista plástico Eduardo Vieira da Cunha, na época na Faculdade de Artes de UFRGS. A menina de jaqueta plástica e sombrinha é Joana Carolina, então com cinco anos. Filha do Luiz Antônio Catafesto, fotógrafo e professor de Semiótica, a menina cresceu e é fotógrafa profissional. A mulher de pulôver é Liane Beltrão, Lica, namorada de Nelson na época. Arquiteta mora em Londres. Nelson Coelho de Castro que na época morava no Cristal, mora hoje no bairro Auxiliadora, a três quadras do local onde foi tirada a foto vinte anos antes. A faixa 6 era a música “Legislativo”. No final tinha uma poesia recitada por Lica , eu escutei quase três mil vezes:


Não posso me esquecer de nada que está acontecendo agora
Nesse momento, nesta cidade, neste estado, nesta cidade, neste país, neste planeta
Do que estamos fazendo e o que estamos fazendo para a narrativa da história
Eu quero ver se consigo trazer isso sempre acordado dentro de mim
Este êxtase, essa música, essa fotografia, este cinema, esse agora recém parido
Por que saber este tudo agora será saber isso tudo num outro agora
Minha única e verdadeira arma e isso me excita


O ano se encaminhava para o seu final e, como Nelson bem definiu, não era uma poesia mas uma oração, uma mensagem ao futuro, que falava de todos nós. Amém.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Outubro 29-30



  1. Últimas apresentações.

Terminamos a temporada. Geraldo usou pela primeira vez a chamada publicitária aquele que seria uma marca da divulgação do “Bailei na Curva”: últimas apresentações. O público de Porto Alegre de modo geral deixava para assistir os espetáculos gaúchos nas últimas apresentações. Geraldo, muito esperto, acelerou o hábito.


O espetáculo terminou com todos do elenco abraçados. Tínhamos um grupo muito unido e alegre. Alguma coisa estava mudando. Porto Alegre já não era mais a mesma. Depois disso, muitos eventos mudaram mais e mais a cara da cultura gaúcha. Encontro Renner de Teatro, Porto Alegre Em Cena, Porto Verão Alegre e a Mostra de Inverno foram filhos de um sonho comum de solidariedade que nascia naquele belo ano de 83.

Novembro, 2.

  1. Ti Fraga na ZH.

Fraga, em sua coluna no jornal Zero Hora, escreveu a seguinte nota. “É a coisa mais comovente, divertida e inteligente a que eu pude assistir sobre a geração pós-revolução.”
Levei um susto. A criatura começa a inventar o criador.

Elipse

Fraga manteve uma página na Zero Hora durante anos. Ele era um caricaturista e escrevia com muito humor e sensibilidade. Ocupou um espaço muito dievertido no imaginário da cidade e em especial do meio psicanalítico quando interpretava o Analista de Bagé. Paricipava de congressos como convidado e respondia de improviso as perguntas durante debates científicos. Genial.

Novembro, 19.



  1. Correio do Povo.

Comentário de Antonio Holhfeldt para o Correio do Povo: “É um trabalho altamente respeitável e emocionante, porque é feito com garra, com sinceridade, com carinho e muito respeito.”


sexta-feira, 10 de abril de 2009

23 OUTUBRO DE 1983

Outubro, domingo, 23.

  1. Vídeo na Usina.
  2. Décima apresentação BC.

Céu nublado e vento frio. Fui para a Usina do Gasômetro para participar do Beijo Ardente, Overdose. Eu seria um técnico de explosivos que explodira paredes para localizar o Vampiro de Porto Alegre. Fui com um terno de linho branco que meu pai usara na sua juventude. Feita a caracterização, óculos de aro de tartaruga, uma bandagem na cabeça e vários curativos. Eu era um técnico um tanto relapso que freqüentemente falhava na quantidade de dinamite necessária. Havia uma mobilização muito grande, várias viaturas da Brigada envolvidas, técnicos de som e luz, pessoal do cinema e da publicidade ensaiava os primeiros passo. Gravei a cena. Só no ano seguinte o vídeo ficou pronto. Foi mais um dos eventos marcantes do ano de 1983. Teve a participação de quase todos artistas da minha geração. Assisti o vídeo no Teatro do Instituto Goeth. A direção era da Flávia Moraes em parceria com o Hélio Alvarez. Tinha no elenco Andréa L´Abbate de São Paulo, Antonio Carlos Falcão, Oscar Simch, Pilly Calvin, Claudia Meneghetti, Careca da Silva, Bira Valdez, Grupo Cem Modos, Mery Mezzari, Jesus Iglesias, Sérgio Silva, Marília Rossi, Nora Prado, João Pedro Gil e mais um grande elenco. Diálogos de Telmo Ramos, talentoso redator de publicidade, cenografia de Fiapo Barth, figurino e maquiagem de Fernando Zimpeck. De cima do telhado da Usina, Para Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina, música do Nei Lisboa, ilustrava com uma grande panorâmica de 360° uma cidade que dava seus primeiros passos na produção cultural em direção de um profissionalismo crescente. Reunidos muitos acabaram fazendo carreira no cinema, na publicidade e nos palcos. Era um mutirão cultural. Pela segunda vez naquele ano que um conglomerado de artistas se reuniu. A primeira fora nas filmagens dos Verdes Anos. O objetivo do Beijo Ardente, não era só fazer cinema como em Verde Anos, mas chamar atenção para a Usina, impedindo que ela fosse demolida O desejo coletivo era de que, algum dia, a Usina se tornasse um Centro Cultural. Em 2002 assisti em sessão especial foi assistido por quase todo o elenco, vinte anos depois no cinema da Usina do Gasômetro, já transformado num dos maiores centros culturais do Porto Alegre. As coisas aconteciam e a gente vivia aquilo sem saber que estava fazendo uma campanha histórica.
Foi nos créditos do Beijo Ardente que pela primeira vez meu nome apareceu escrito sem o César. Na hora não notei.

Décima apresentação do “Bailei na Curva”, teatro lotado.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

21 DE OUTUBRO 1983

Outubro, sexta 21.



  1. Beijo Ardente, overdose.

  2. Elipse absurda


Beijo Ardente, overdose.



Recebi um telefonema da Olho Mágico, produtora da Flávia Moraes para participar de um vídeo. A Flávia era uma das mais importantes diretoras de comerciais, fizemos juntos o Carimbador Maluco e ela esteve muito tempo ligada a poderosa MPM, agencia de publicidade que dominava o mercado. Agora partia para a produção de comerciais e estava engajada em projetos de vídeos independentes. Estava gravando uma história de um vampiro de Porto Alegre que se escondia nas ruínas da Usina do Gasômetro. Toda a classe artística da cidade estava participando e eu esperava aquela oportunidade há algum tempo. Foi marcado para domingo de manhã.



Elipse Absurda


Estava postando quando recebi um convite de Flavia Morais para fazer um piloto em São Paulo. Vinte seis anos depois. Não creio em brujas, pero...


domingo, 5 de abril de 2009

16 DE OUTUBRO DE 1983

Outubro 16.


  1. Carlos Urbim assiste a peça e escreve uma poesia.

  2. Nascimento de um poeta.

    Asssitir a peça começa a produzir efeitos emocionais impressionates. Carlos Urbin foi um destes eventos que marcaram a história de Bailei na Curva. Ela assistiu à peça num sábado a noite. Na saída o encontrei emocionado. Ele estava agitado, falava sem parar. Dizia que a geração dele deveria estar dando o seu depoimento junto com a minha geração que se apresentava no palco. Eu o conhecia pouco, ele era muito amigo do Geraldo Lopes, o que eu conhecia era o jornalista. O que não sabia que ali estava nascendo o poeta.
    Naquela noite, madrugada insone em Viamão, Urbin escreveu uma poesia primeira que tive noticias, antes do Menino Daltônico. O interlocutor imaginário do poema era o Geraldo Lopes, mas a referência maior era para o grupo. Geraldo estava muito emocionado. Na segunda Geraldo me chamou para uma reunião e leu a poesia. Tempo todo com um nó na garganta e lágrimas nos olhos.

Naquele tempo
Também não tive aula.
Como os outros – e o teu tchê
O meu curso em Livramento não funcionou.
Dez anos antes, em agosto
Foi assim de dias sem aulas.
Entre fotos de Luz Del Fuego e Carmen Miranda.
Na capa de O Cruzeiro
A máscara em gesso de Getúlio,
Olhos fechados e uma longa carta.
Mas aí é um pouco antes
De outra história:
Tu ainda não tinha nascido
Eu ainda não ia ao colégio
A Elis Regina ainda não era vesga.
Acho que cantava nas festinhas do IAPI.
Tu me diz, no entanto
A História nunca é outra
Sempre a mesma
O tempo não altera os fatos.
Nós, tchê, é que mudamos
Ou encontramos um jeito de dizer
De expressar o nosso testemunho,
Antes e depois das curvas.
Naquele ano não fomos à aula
As rádios falaram bastante.
Naquele ano
A Elis desceu no Rio,
Um Rio já sem nenhum espaço
Pro Darcy Ribeiro ribeirar
Pintava por aí – aqui e lá
As curvas daqueles que bailaram.
Primeiro de abril,
Quem não gostou botou açúcar
E comeu da mesma panela
Onde a vaca amarela cagou.
Tu diz também, tchê
Pra que eu sempre me lembre bem
Que não há muito o que fazer
Quando o nego tem pela frente
A necessidade de pisar e conhecer
Os paralelepípedos da Rua da Praia.
Mesmo que fosse o momento
De compreender e reproduzir
O gesto e canto
Dos que arrancaram paralelepípedos
Da França Quartier Latin Saint-Michel.
Naquele ano,
Outra curva, novo baile
Na Reitoria
Na Filosofia
Num quarto de pensão.
Apedrejaram Gerd Borheim
E, como o Banco trancou as portas,
Os gritos do pessoal encurralado nas Borges
Não me chegaram até a Carteira de Câmbio
Primeiro andar, Rua Sete, 1968.
Naquele ano, a dor pintou
Na voz de Elis.
Um vento cais, um vento a mais
E eu sem spleeping bag
E sem estrada para fazer auto-stop.
Quer dizer, nem sonhei na travessia.
Naquele ano,
Por falar em sonho e pé na estrada,
Cada Beatle, cada andarilho
Passou a andar sozinho.
Solitária, a legião procurava
Buda, a Cordilheira e Castañeda.
Um sonho curtido nas mesas do Alaska
Sempre os bares e as curvas do Bonfim
E nas mesas da redação do jornal.
Nessas mesas não faltava
O Pasquim – ensaio de uma nova linguagem,
Irreverência sarro semanal
Leila Diniz em todas as mulheres.
Leila na mão, solta no Cine Marrocos
De pulgas e falta de luz.
Naquele ano,
Cada pedra da Rua da Praia
Correspondia a uma dúvida
A todas as angustias encontradas
Nas curvas da vida.
Foi preciso bailar, pois é!
Naquele ano
Ao som de Dom e Ravel
Pelas praias do País ensolaradas
Começava a superprodução
Rede nacional de fazer televisão
Com merchandising e Ibope.
Brasil, fiquei – façamos
Porque aqui existe amor.
Fomos todos para a frente, em corrente
Marcamos homem a homem
Driblamos
Futebol e estatísticas.
Deus foi brasileiro
A Europa acreditou e se curvou
Mais uma vez.
Vivemos a única notícia permitida:
O Milagre.
A Transamazônica é a reta mais longa
Entre dois pontos. Sem curvas,
Carros dopados de gasolina azul
Zunem pela Estrada de Santos
Pelos delírios da BR-3.
O gol mil é das criancinhas pobres
Dom Helder tem parte com o diabo encarnado
Nordeste é uma asa branca em Londres
A Elis e o Caetano e o Gil
Cantam em inglês. O Chico em italiano.
E o exílio é muito longe
E as cartas de Paris e Santiago do Chile
Não chegam.
De ordem superior,
Não se publicam cartas
Que abalam a imagem do País no exterior.
De ordem,
Nem as cartas nem o index dos proscritos
Nem a exigência dos seqüestradores.
Assim como o exílio distante
Ninguém segura o futuro e o progresso
Quando a ordem e a paz social
Estão presentes com mão férrea.
Tudo sob controle, nada mais a comentar.
Naquele ano
Cada paralelepípedo da Rua da Praia
Foi contemporâneo do choro
Contido, enrustido abafado.
Perdoa Vladimir Herzog
Mas os dias eram assim.
Cada curva de Porto Alegre
Cada história de amor
Teve o gosto amargo do medo
O gosto vazio da impotência
Toda a História
Daqueles anos
É puro medo.
Mas a Elis, Porta-estandarte
- Presta atenção tchê!
Vem cantando a antevisão
De um bêbado com chapéu coco,
Sob a lua dona de bordel.
Desses anos, tchê
Tu sabe o que eu sei.
Ou saca o lance melhor do que eu.
Anos 70, já deu pra ti?
Essa tua moçada, década
De sombras e alçapões clandestinos
Me lembra agora
Que apesar de tudo, vivemos
Ternuras
Encontros
Desencontros
Descobertas.
Mesmo que o brilho no olho,
Como todos os brilhos, fossem condenados.
Tu descobriu, tchê
E agora veio me contar,
O início e o fim que
Vira e mexe
Lá vai ele – além das curvas.
E agora, que eu sei
De ouvir cantar
De ver vocês dançarem
Quero estar junto, tchê.
Abraçado ao irmão mais novo,
Em ti restauro a minha esperança.
Recupero a minha utopia
Pra falar manso com meu filho
Sobre os anos que vão passar.
A Elis – me levaram ela embora
Num sol azul, o trem na cabeça.
A Leila virou estilhaços tropicais
E a Rua da Praia tem calçadão
Sem paralelepípedos.
Brasília ainda é a mesma,
O medo quase igual.
Mas olha tchê
Já traçamos juntos algumas curvas.
A tua canção
Me descreve, me emociona, me motiva.
Como tu, cara
Eu não quero me perder por aí.
Pode crer, tchê
Nos oitenta
A gente vai se pechar
Se encontrar
Se beijar


Carlos Urbim



A poesia foi editada na edição da LPM junto com o texto da peça Bailei na Curva. Não há dúvidas que ali nasceu o poeta.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009




Outubro 15.




  1. Dublagem do “Verdes Anos”.


  2. Bailei na Curva - Quinta apresentação.

Não pude ir para o Rio para fazer a dublagem da minha participação no filme “Verde Anos”. O professor Cid que era assediado por uma aluna interpretada pela Xala Filipi. Aparentemente havia a dificuldade de sair de Porto Alegre pois estava em cena no fim de semana. Mas de fato, nem se chegou a este ponto do impasse. "Verdes Anos" primeiro longa 35 mmm foi filmado em baixissimo orçamento. Tudo que se podia fazer para contenção de despesas era feito. Por isso, a opção dos produtores do filme foi dobrar várias vozes e entre ela a minha. Por isso, quando vejo o Professor Cid que eu interpretara, com a voz do Orlando Nascimento debochadamente grave, tenho certeza que ele interprecolocou aquela voz só para me sacanear. O Orlando era reconhecidamente um pândego. O que ele fez não tinha nada a ver com a minha imagem e a minha interpretação. Diferente das dublagens do Sergio Lulkin que recriou a voz do João Biratã de modo que parecia que tido sido gravado com o próprio. Apesar disso, o filme se tornou um cult no meio cinematográfico e até hoje passa no Canal Brasil. E num sentido mais paranóico achava que os diretores do filme não tinham gostava da dublagem que eu fizera para o Interlúdio e por isso não fora incluído na viagem. Era um período de insegurança. Não se sabia de fato a extensão de cada gesto. De qualquer modo, a locução do Interlúdio estava mesmo péssima e foi refeita no ano de 2001, condição si ne qua non para entrar na programação do Canal Brasil.



Fiquei em Porto Alegre amargando o sentimento de exclusão. Mas quando entrei em cena na quinta apresentação da peça, todo o ressentimento (exagerado reconheço, mas enfim, somos artistas!) e o público aplaudiu de pé, redimindo todas as dores. A magia do palco.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



Outubro 6.



  1. Vale dos Pimentões

  2. Patsy, Lila & Luciene


A peça O Vale dos Pimentões do grupo Balaio de Gatos estreou no Circulo Social Israelita. Não pude ver pois estava totalmente mergulhado no lançamento do Bailei. Teatreiros tem isso, os trabalhos se tornam obsessão e parece que nada mais existe no mundo. No ano seguinte tentei assistir a peça no Projeto Unicena. Mas quando cheguei no Salão de Festas da Reitoria, já estava completamente lotado. Havia uma imensa fila esperando para uma sessão dupla. O Balaio já rivaliza com o Grupo Do Jeito Que Dá. De um lado o Balaio fazia teatro experimental, com narrativas fragmentadas e inserções multimídia enquanto que o Do Jeito Que Dá contava histórias com começo meio e fim. Nós éramos os bons meninos e elas eram as meninas más. Atração e rivalidade são sentimentos comuns entre artistas de teatro. Havíamos dividido o palco no início dos dois grupos. Abutres da Rebentação e Não Pensa Muito Que Dói fizeram uma sessão dupla no Teatro do DAD no final do ano de 82. A peça do Balaio entrava as 20 hs e a nossa as 22 horas. Mas como houve atraso acabamos em cena quase onze da noite. Mas o incidente mais grave foi que durante a apresentação, a sonoplasta usou o som no volume máximo queimando as caixas de som, que eu trouxera da minha casa. Fiquei muito irritado e fui discutir com o elenco dos Abutres. Para minha surpresa os rapazes mandaram as meninas brigarem comigo. Como o final da peça era feito com quase todos atores desnudos, acabei discutindo com três mulheres só de calcinhas. Não sabia se brigava ou olhava para o corpo delas. No final não deu em nada.
A coincidência da estréia no mês de outubro e o teatro lotado, só serviu para atrasar o meu encontro explosivo e criativo com Patsy Cecato que era junto com Luciene Adami e Lilá Vieira, uma das estrelas do Balaio do Balaio de Gatos.


Outubro 8.


  1. Terceira apresentação.


Bateu uma gripe, uma dor no corpo, um mal estar. Mistura de cansaço e stress. Eu estou sem voz, completamente rouco. Mesmo assim faço a peça na garra.
Ressaca da estréia.



Elispe asmático


Uma das coisa que aprendi nestes anos de psicanálise foi de lidar com as sindromes psicosomáticas. É uma espécie de loucura do corpo. Quem pira não são as idéias, mas sim o corpo. Acho que foi isso que aconteceu. Hoje estas coisas tem o nome de stresse (cuja tradução é acento!) e coisa e tal. Pois eu vivi isso e entendo que tem coisas que a mente não é capaz de digerir. Quando isso acontece, o corpo toma conta e sente aquilo que a mente está tentando evitar. Psicossomático é o mesmo que somatopsicótico.


Outubro 9.



  1. Cadê o público?

Um negócio estranho aconteceu. Tivemos meia casa. Houve um problema nos pontos de vendas e metade dos bloquetos de ingressos se perderam numa gaveta que só foi aberta um dia depois da apresentação.


Anotação ao pé da página: dinheiro Caixa / foto-filme / aula-tarde / Geraldo Lopes.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009




Outubro, sábado, 1.





  1. Estréia de Bailei na Curva no Teatro do IPE.


Viramos a noite no teatro acertando o ensaio de luz. Foram nove meses de ensaios vinte e quatro horas de trabalho de parto. Fui dormir as sete da manhã. Ao meio dia acordei e fui assistir o jornal do almoço. Surpresa minha que neste dia apareceu o Abrão Slavutzky na TV dando uma entrevista. Imediatamente liguei para ele e convidei para a peça.
No teatro, levei uma garrafa de conhaque. A cada risada eu tomava um gole. Terminei e peça bêbado.




Outubro, domingo, 2.





  1. Espetáculo do segundo dia.



O espetáculo do segundo dia tem a tradição se ser ruim. A explicação é simples. Na estréia o elenco está tenso e concentrado. Erra pouco. No segundo dia a peça ainda não está suficientemente sob controle, mas não existe mais a ansiedade da estréia. Os atores relaxam e a encenação afunda. Este é o esquema clássico. Falamos sobre isso antes de entrar em cena. O segundo dia foi ainda melhor do que a estréia. O fato é que não havia espaço para erros pois estávamos ensaiando no teatro há bastante tempo. Isso faz diferença.

Outubro, 3, segunda-feira.





  1. Crítica na ZH.


  2. Reunião de avaliação com o Geraldo Lopes.


Encontro o Oscar Simch na Rua da Praia. Manhã de sol, caminhava e a luminosidade da cidade alimentava meu bem estar. Até hoje me fascina o centro da cidade. Tenho pena de São Paulo e do Rio de Janeiro que já perderam os seus. Oscar segura o meu braço. Saiu a crítica do Cláudio Heemann na Zero Hora. Ele me mostra:



"Alerta na observação realista, simpática na caricatura cômica, precisa no retrato de costumes, autêntica na linguagem coloquial Bailei na Curva vale tanto como texto quanto interpretação e encenação. Aliás, parece congregar do modo indissolúvel estes três aspectos. O espetáculo brota com facilidade de uma movimentação bem desenhada e ritmada. O acerto de diálogos encontra correspondência ma vitalidade e adequação dos atores. Tudo acontece num palco nu, vestido apenas de algumas cadeiras. A narrativa se desdobra com clareza e a comunicabilidade dos desempenhos não encontra obstáculos para a sensibilizar a platéia. Há um toque poético, não isento de certa melancolia, que aprofunda o alcance do quadro proposto. Fica, com isso, demonstrada a harmonia e afinação do elenco, além da sensibilidade e inteligência da direção. Regina Goulart, Cláudia Accurso, Lúcia Serpa, Márcia do Canto, Cláudio Cruz, Flávio Bicca Rocha e Júlio César Conte merecem as flores que o público da estréia atirou no palco. "



Foguetório na minha cabeça.

Reunião com Geraldo. Ele é porta-voz de um questionamento que lhe foi feito: O que o Júlio vai fazer agora? Qual será o próximo trabalho do Júlio. Olhei para o Geraldo espantado, tentando decifrar aquele enigma. A peça estreara há três dias atrás e já queriam saber o que seria feito depois?



Ainda bem que não precisei responder.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Uma raridade: o certificado de liberação de Bailei na Curva com data de 28 de setembro de 1983 quando ainda havia ainda a possibilidade da peça se chamar "Primeiro de Abril".

Setembro 28.


  1. Telefonema do Geraldo.


Geraldo me ligou a respeito de uma chamada que recebeu da Censura Federal. Um calafrio. Será que censuraram a peça? Não só não houve cortes como o diretor inflado pelos censores que adoraram a peça, solicitaram vários convites.

Anos depois, outro ensaio para a Censura, numa montagem no Rio de Janeiro, aconteceu algo também inusitado. Na cena em que Pedro vai para a clandestinidade e assume a luta armada, o ator Carlos Lagoeiro fez uma das maiores interpretações do personagem Pedro que tive oportunidade de assistir. Eu ensinava a operação de luz para o técnico do teatro quando uma força vinda do palco chamou minha atenção. Lagoeiro se derramava de emoção em sua despedida da mãe, a costureira Dona Elvira. Ao final do ensaio, uma censora, uma mulher loira, alta, de quase quarenta anos estava em prantos. Aplaudiu de pé e começou a falar com os atores. Estes se agruparam para escutar o relato. Desci da cabine de luz e som e fui até a beira do palco a tempo de escuta-la dizer:
- Minha mãe é costureira e meu irmão foi desaparecido pelo DOPS.
A ficção tem formas estranhas de se realizar na realidade.

Setembro, 30.



  1. Sonho que tive antes da estréia

"Estamos estreando a peça. O local parece o ginásio do Petrópole Tênis Clube, só que adaptado para o teatro. Há um grande público de espectadores misturado com torcidas de futebol. Muita gente nas arquibancadas. Começa a peça. Sinto que as coisas não andam. Ruídos na platéia. Pelas janelas do ginásio vaza uma luz difusa. Público começa a se levantar e abandona a sala de apresentação. Em pouco tempo de encenação o ginásio está vazio. O público que era imenso vai embora. Voltamos para o segundo ato e não havia nenhuma pessoa assistindo a peça. Uma vez que está tudo montado, luz, sonoplastia, proponho:
- Vamos aproveitar e ensaiar para a próxima apresentação."



Foi um sonho clássico. Quase todos artistas têm sonhos parecidos. Sonha-se que as falas são esquecidas. Sonha-se que alguém não consegue entrar em cena, que cai um refletor, que falha o som, um pedaço do cenário cai, que não se consegue cantar. Reflete uma espécie de angústia que sentimos quando estamos frente a imensidão do próprio desejo. Relaciona-se com aquele tipo de sonho em que se aparece nu em lugares públicos. Tem algo de exibicionismo. Algum tempo depois descobri que é um sonho de ambição e de exibicionismo que aparecem representados pelo seu oposto. Ambição é um impulso uretral conforme Freud demonstrou na Interpretação dos Sonhos onde ele relata um sonho seu no qual um menino urina na cama e o pai dele vaticina será um grande homem ou um grande bandido. O menino era Freud.
A anotação desse sonho está num papel amassado de uma folha arrancada. Preso por um clipe na agenda. A letra é quase ilegível, anotação feita ao despertar. A análise já tinha terminado, mas, como toda a análise, é interminável. Cessaram os encontros analíticos, mas depois que se é inoculado pelo pensamento psicanalítico a referencia permanece na mente num processo interminável. O sonho funcionou de duas formas. Como uma advertência no plano da realidade, cuidados eram necessários para evitar uma catástrofe. Por outro lado, restos de pensamentos mágicos me davam a impressão de uma profecia invertida e por isso mesmo guardei este sonho como um talismã. Anos depois, num processo de re-análise, contei este sonho para o Abrão e ele, com a generosidade que lhe é própria, centrou a interpretação na frase final do sonho, destacando a capacidade de enfrentar as dificuldades em situações adversas. Em Forqueta, ainda criança, dentre os escombros da memória, guardo um quadro pendurado em cima da minha cama com um anjo da guarda protegendo um menino que passava perto de um abismo. Minha reza predileta, naqueles tempos em que eu rezava, era assim:



"Santo anjo do senhor meu zeloso guardador.
Se a ti me confiou a bondade divina.
Levai me sempre pelo bom caminho."


Até hoje, perto das estréias, sempre anseio por este mesmo sonho talismã, sonho premonitório que me acompanha como um anjo da guarda.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Setembro, 21.


  1. Ligar para a Opus Promoções.

Entramos no Teatro do IPE. A sala estava fechada há algum tempo. Um auditório para cento e vinte pessoas já não era usado nem para palestras. O ar condicionado funcionava, embora o barulho do aparelho fosse insuportável. Comunico ao Geraldo as condições do teatro e que não há refletores disponíveis. Em poucas horas chegam vinte refletores, cabos, gelatinas e uma mesa de luz. Eu olho para aquele mundaréu de spots no chão e me apavoro imaginando a despesa e o estouro do orçamento.

O que para a Opus era o corriqueiro para mim era uma exorbitância. Não estava acostumado.
Combino como o Hermes, acho que com dez refletores se pode fazer uma boa luz. E dou a ordem de devolver o resto. Hermes intervém, salta na minha frente e manda que os funcionários deixem todos os refletores onde estão. Vira-se para mim e afirma que quer todos aqueles refletores. Já que estão aí vamos usar.

Elipse 1

Hoje penso que vinte refletores não são nada para iluminar um espetáculo. Mas tenho que confessar que ali, em 1983, recém saídos da escola, com um profissionalismo frágil e nascente, nunca tinha visto usar tantos refletores numa só peça.

Setembro, 27.

  1. Ensaio para a Censura.

  2. A mancada do Heitor de Opus.

Os ensaios para a Censura eram do modo geral um protesto contra tal exigência. O que se via no palco era, de modo geral, um arremedo do espetáculo. Pois, num primeiro período de resistência, fazia-se tudo para confundir os censores. Textos eram mudados. Cortava-se cena, os tempos da trama eram alterados. Tudo de modo a encher o saco e atrapalhar os censores. Cortavam-se textos que se imaginava possíveis de serem censurados e, durante a temporada, acabamos tendo problemas. Pois a Censura voltava e acabava dilapidando a obra. Houve até um censor que estudou comigo na Escola de Teatro, segundo ele para cortar as obras com mais critério. Boa piada. Um censor consciente era tudo o que não se precisava. Este “colega” dormia nas aulas de Evolução do Espetáculo e numa oportunidade dormiu em no ensaio de uma peça infantil, “As Aventuras de Um Diabo Malandro”. O diabo era eu.


Num segundo momento, o modo de enfrentar a censura mudou. Ao invés do corte e a omissão, optou-se pelo exagero. Quando havia um palavrão, o ator emendava mais dez sinônimos. Quando havia um desnudamento insinuado, o elenco escancarava a nudez crua. Quando havia situações políticas, multiplicava-se as metáforas. O censor evidentemente cortava. E nesta hora entrava o produtor e o diretor a negociar. Acabava ficando quase na medida do que se queria.


Quase.


O ensaio da censura do Bailei na Curva foi uma experiência inusitada. Tínhamos pouco tempo para ensaios gerais e resolvemos aproveitar aquele da censura, como um ensaio completo. Solicitei para o elenco fazer a peça como era mesmo. Os tempos já estavam arrefecendo os ânimos ditatoriais, ares democráticos arejavam os corredor da burocracia militar e prenunciava a abertura. Depois de duas horas de espetáculo escuto palmas. O censor aplaudiu. Aproximou-se de mim e me parabenizou. Levei um susto. Não era para ele gostar e por um momento pensei que a peça tinha errado o alvo. Fiz uma brincadeira dizendo que se eles gostaram que então não cortassem nada.

Na cama, insone, olhando o teto, imaginava o estrago que a Censura poderia fazer.

Na Opus converso com Heitor. Ele é o braço direito do Geraldo, bom produtor mas um pouco distraído. Ele me mostra o release de divulgação. Bailei na Chuva no Teatro do IPE. Ele pergunta se eu gostei. Leio de novo: chuva? Todos os releases tiveram que ser refeitos e os funcionários passaram a tarde telefonando para os jornais e rádios. O Heitor durou mais algumas semanas e foi substituído por Carlos Konrath, hoje sócio proprietário da Opus.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

1983

Setembro 20.

  1. Ensaio para convidados.
  2. Haidée Porto.
  3. Gravação trilha sonora no ap do Flávio.

1. Ensaio para convidados

O espetáculo estava quase pronto. O esqueleto da peça de pé. Faltava a carne da interpretação e a alma do público. Por isso, fizemos um ensaio para convidados. Haidé Porto foi uma das convidadas. Uma espécie de madrinha da peça acompanhava o trabalho desde o Não Pensa Muito Que Dói que abriu o Projeto Encena idealizado por ela. Estaav presente também algumas pessoas da escola de teatro, mas a grande expectativa recaía sobre a Haidé. Fizemos um ótimo ensaio, uma hora e quarenta e cinco minutos de ação dramática intensa e pura.

2. Haidée

Ao final esperamos os comentários. Ela iniciou pela cena da Faculdade. Disse que sentiu falta da agitação, da política e da efervescência cultural. Percebi que estava um busca de sua própria geração. Como estava mostrando a minha, tomei a crítica como elogio a subjetividade e a fidelidade geracional. O tempo que passei faculdade, tanto no curso de Medicina quanto no de Teatro, era marcado pela timidez e pelo medo. A retomada do Movimento Estudantil era insipiente e o clima de chacota permeava os ativistas de Esquerda apelidos de Esquerda Festiva. Embora boa parte dos participantes de Libelu, da Avanlu, Roupa de Briga e outras tendências trotkista, maoistas ou independentes veio a ocupar lugar de destaque na administração pública e determinando as políticas do Estado e Município.

Depois do ensaio, o elenco todo se abraçou como se houvéssemos estreado. Escutamos s a opinião de todos, mas lá não fundo de nós, não nos importávamos mais com o que as pessoas falavam. Sabíamos que estávamos perto de algo muito grande, bem maior do que nós.

Elipse 1

E, tirando o folclorico adjetivo de festiva adicionado a esquerda, um fato não há o que contestar: as melhores festas de UFRGS - de todos os tempos - eram as organizadas pela facção trotskista Liberdade e Luta, a famosa Libelu.

3. Gravando a trilha

Na madrugada me reuni como o Ely e o Flávio no apartamento dele na Tiradentes. Luis Alberto Ely era o nosso técnico de som. Na verdade trabalhava na Caixa Econômica e fora uma aposta do Hermes Mancilha. Como todo bancário, tinha um artista aprisionado dentro dele. O Ely adorava som. Tinha um mixer caseiro que seria a nossa salvação na edição musical. Montamos um pequeno estúdio completamente improvisado. Dois gravadores, um prato, amplificador e caixas de som. E o famoso mixer do Ely. Avançamos na madrugada gravando em nosso Estúdio. Tudo era de uma precariedade absoluta. Hoje com MP3, som digital, dolby, surrounder e estúdios a disposição, constatamos que “Bailei na Curva” deu certo por uma obra do destino que puxava os cordões muito além de nós. O Flávio que também era bancário antes de libertar o artista dentro dele, foi dormir e o Ely cansou. Fiquei de terminar a trilha na manhã seguinte. Fiz a edição final do som. Na última hora resolvi colocar a música que Beto Guedes fez para o filho dele. Era uma apologia a vida e usei na cena em que o bebê era embalado enquanto Ana lia o poema final. Além da beleza da música, o título era também o nome do meu sobrinho.
Foi pensando no Gabriel Moojen que inseri esta música.

Elipse 2

Gabriel foi meu primeiro sobrinho, primeiro neto, primeiro tudo. Carismático desde que nasceu foi imensamente pararicado pela família. Fez o Curso de Jornalismo e, recém saído da faculdade assumiu a apresentação do Prgrama Radar na TVE Porto Alegre. O sucesso foi tão grande que logo foi para a RBS TV e criou o PATROLA. Da RBS foi pas MTV e passou anos viajando pelo mundo no programa Mochilão. Hoje trabalha na Rede Globo.

sábado, 31 de janeiro de 2009

1983

Lojas Guaspari no coração de Porto Alegre
Setembro 19.


  1. Juntando as coisas que faltam para a produção.

Produção em andamento. Cláudio Cruz foi no Lojas Guaspari (quem lembra?) conseguir algumas roupas. Compramos os guarda-pós para os alunos na Casa dos Aventais. Do sobrado da Dario Pederneiras (onde hoje tem um edíficio chamado Solar dos Conte) surupiei duas camisas sociais do meu Pai, alguns sapatos velhos e mais dois pares de óculos que ele não usava mais. Um amigo do Gertaldo Lopes, Silvio Sibemberg, dono da Lojas Gang convocou para uma reunião onde defende a idéia de que mudassemos o texto do peça. Na cena em Pedro vai para a guerrilha, Dona Elvira, sua mãe diz:

"Tua calça Lee está no arame, vai buscar!" - substituiríamos por calça Lewis que era vendida na Gang. Elvira. Eu não estava na reunião, mas o grupo rejeitou de imediato a proposta. A Gang acabou dando uma porção de coisas entre elas os abrigos com a letra “A” da cena da educação sexual. Mudamos o texto, tiramos calça Lee e colocamos calça de brim, assim eles nos municiaram com todo o estoque de jeans. Foi o máximo de concessão permitido. O Geraldo conseguiu uma loja de sapatos que tem um acervo de antiguidades: Lojas Jahu do Rafael outro grande amigo do Geraldo. Como se pode ver o teatro assim como a vida é uma grande rede de amizades.

O Rafael foi uma daquelas amáveis pessoas que seguiram o “Bailei na Curva” durante anos. Reza a lenda que no ranking de quem mais assistiu a peça o Rafael estaria disputando o ouro juntamente com a a minha irmã Salete e o fotógrafo L.A. Guerreiro todos com mais de quarenta assitências. Num domingo depois de assistir mais uma apresentação da peça, Rafael saiu de moto e, na madrugada, acidente-se. Muitos dias em coma, muita expectativa e recuperação lenta e a volta por cima. Retornando do país de intermediario entre a vida e a morte assistiu a última montagem do Bailei escondido na última fila. Uns dias depois me ligou para falar sobre a peça. Chorando em silência no escuro do teatro. Foi se apresentando como se eu não me lembrasse dele. Claro que eu lembrava, eu sou como um elefante que não esquece, sobrevivo disso, da memória, do afeto e dos pedaços de vida que partilho em cada encontro.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

DIÁRIO A PROCURA DE UM EDITOR



Pois é, estou fechando um ano quase com este blog no ar.
Foram quase mil visitantes. Repasssei boa parte de minha vida neste blog. O ano de 1983 quase todo postado, dia-a-dia, num exercício de reflexão sobre o passado e cuidado com o que se vai viver. É um equilibrio precário. O tempo é cruel e generoso ao mesmo tempo. Nos oferece experiência e capacidade para absorver os impactos da vida, mas rouba a juventude de tal forma que se não acontece com todos eu acharia que era uma sacanagem comigo. Aliás, mesmo acontecendo com todo o mundo, acho uma sacanagem envelhecer. Mas como diz o popular: "pior do que envelhecer é não envelhecer".
Pois passou o tempo e achei que pouca gente teceu comentário aos posts. Não desqualificando quem comentou, pelo contrário, enaltecendo quem se colocou, por isso agradeço a todos. Porém, comparando com o número de vistações com o número de coments a relação é pequena. Concluo que tem muita gente lendo e pouca comentando.
Fiquei a me perguntar o porque deste fenômeno. Concluo provisoriamente que é porque trata-se de uma postagem pública e carece da privacidade que um livro tem com seu leitor. Por isso, decidi que a continuação dever ser impressão no papel. Então, o diário de montagem da peça Bailei na Curva, as reflexões do autor referenciada no tempo e no espaço que foi Porto Alegre no ano de 1983 ficam a espera de editor.
Peço ajuda a todos os amigos que leram o blog até agora, que gostaram do que foi escrito, que se emocionaram para que me ajudam nesta empreitada. Preciso de contatos, por favor, se souberam, indiquem.
E obrigado a todos. Amo todos vocês.