Julho, 22.
- Ensaiamos das 16 horas até as 19 horas.
- Grêmio x Penharol, Libertadores da América
- Elipse do ciúmes
Atores entram nos processos de forma ingênua, brincam com a radioatividade das emoções. Todo grande ator é tomado pela personagem de tal modo que freqüentemente se confunde. No nosso processo tal confusão se prestava ainda mais, pois as personagens eram extraídas de nós mesmos e não sendo exatamente nós, poderiam ter sido ou acontecido, pois se inseria no rol de possibilidades que cada um carrega dentro de si.
Um beijo sela o desfecho da cena. Achei o final da cena e resolvi um problema conjugal sem precisar discutir a relação. Aguentei no osso com um futebolzinho para suportar.
Na mesma noite, assisti primeira partida da final da Taça Libertadores da América, Grêmio, da Azenha, enfrentando o Penharol do Uruguai, no apartamento da Getúlio Vargas. Os vizinhos da frente são uns colorados fanáticos. Eu era meu costume gritar quando o Grêmio fazia gol, pois me incomodava um pouco este tipo de invasão. O Grêmio saiu ganhando com gol de Tita de cabeça e eu, como de costume, não vibrei. No segundo tempo, gol de Fernando Morena, do Penharol e tive que escutar uma gritaria da vizinhança. O Grêmio suportou uma tremenda pressão, mas veio com um empate. Fiquei calado, daqui a sete dias, a finalíssima seria em casa, Porto Alegre.
Em algum momento, os ventos teriam que soprar a meu favor.
Julho, 23.
- Ensaiar uma reunião dançante.
Levei para o ensaio uma eletrola portátil que liga puxando o braço para fora. Mais minha coleção de compactos e todos os discos dos Beatles que eu tinha. Muitos amealhados sorrateiramente dos meus irmãos mais velhos e outros que apareciam lá em casa esquecidos depois de algumas reuniões dançantes. Regina, Claudia e Márcia levaram uma boa quantidade de figurinos. Ligamos a eletrola e nos vestimos. Flávio colocou a calça boca de sino de veludo bordô do irmão da Márcia e uma camisa cacharel. Márcia vestiu uma mini-saia e o Hermes falou:
- É a Betiranha! – Assim o nome da personagem do conto de Júlio César Monteiro Martins entrou na peça. Poderia ter mudado para Katiranha, Luciranha, Lecaranha. Mas seria sempre uma Betiranha. Ficou. Anos depois conheci Júlio César Monteiro Martins no rio de Janeiro. Ele assistiu a peça. Ele me deu um livro de presente e na dedicatória fala dos pequenos plágios. Um pouco de mágoa, mas também um pouco de admiração. Mútua.
E assim, passamos todos o ensaio dançando e se vestindo. Tínhamos aí o Torugo, a Betiranha e a cena de reunião dançante. Mais uma vez, não houve ensaio. Foi mais uma vivência.
Este tipo de exercício foi o grande propulsor do processo e também a grande dificuldade nos anos seguintes. Nossa virtude é nossa desgraça. Como o resultado surgiu aparentemente muito fácil, parecia que se tratava de uma conquista sacramentada. Parecia que tinha sido fácil e que o resultado só dependia de aplicar uma forma. Além do fato de ainda sermos muito verdes para alcançar o objetivo alcançado, em tudo o acontecido superava o esperado. Levamos anos absorvendo os resultados do “Bailei na Curva”. Invariavelmente todos do elenco tiveram crises criativas e ou se afastaram definitivamente ou temporariamente do teatro. Sem contar que se criou a ilusão que todos criaram a peça independente dos outros. Ganhamos na vivência, mas perdemos na reflexão.
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