sábado, 5 de abril de 2008

Diário de Montagem de Bailei na Curva 1983 (14)


Aqui a crítica do Claudio Heemann publicada no dia 6 de abril de 1983, antes da temporada na Assembléia Legislativa. Claudio, memorável e saudoso crítico - como era bom quando se tinha um - assistira a peça no Teatrinho do DAD no final de 1983 e a pedido só liberou a publicação porque teríamos uma nova temporada.

Abril, 22.

  1. Ensaio com Lúcia.

Trabalhei com a Lúcia que entraria no lugar da Sônia Coppini. Minha idéia era de usar a Claudia Accurso na peça que já estava ensaiando o “Bailei na Curva”. Mas a Lúcia Serpa sabia todo o texto, pois havia operado o som durante as temporadas anteriores e optamos por ela em comum acordo. Mais tarde a Lúcia entraria no “Bailei na Curva”, primeiro como produtora executiva e depois como atriz.

Sônia Copinni no Não Pensa. Por causa dela foi agregado uma frase do Raul Seixas no texto:

- Sonho que se sonha junto é realidade.

- Isso é sonho.

- Por isso o nome dela é Sônia.

Tentei estudar Patologia V, mas foi impossível. Quase tentei o suicídio. Ainda bem que o ensaio chegou. Fui até o Instituto de Arte. Sabia que precisava desenvolver os personagens para coloca-los na situação dramática. Organizei um plano para o ensaio: aquecimento corporal, jogos de integração. Criar um animal. Na imitação extrair características essenciais do bicho. Segunda fase: aproveitar a imitação e as características extraídas do animal e transformar em traços humanos de modo a moldar o corpo e os modos de pensar aproveitando a alma do animal.

Anotado depois do ensaio: Regina fez um papagaio muito chato. Talvez dê para aproveitar se conseguirmos construir uma menina muito pentelha, mimada, com este material.

O Flávio fez uma garça maravilhosa. Muito engraçado. Depois ele falou que já tinha feito este mesmo exercício com a Maria Helena Lopes para os Reis Vagabundos. Não vejo como aproveitar a garça do Flávio. Talvez em algum pai. Mas já se via o talento cômico do Flávio pedindo passagem com toda a sua força criativa.

Irônico é que a garça que era boa não entrou na peça e o papagaio que era ruim gerou a chatice da Ruth.

Abril, 23, sábado.

  1. Estudei Neurocirurgia.
  2. Não houve ensaio.

Abril, 24, domingo.

  1. Estudar.
  2. Ensaio com Lúcia.

Estudei Neuro e Pato de manhã e ensaiamos com todo o elenco à tarde. Lúcia entrou super bem na peça. Já sabia todo o texto e tem um talento impressionante. Uma força cênica rara.

Abril, 25.

  1. Prova de Neuro e Pato.
  2. Ensaio no IA.

Ensaio a noite numa sala muito pequena do Instituo de Artes. Como não havia muito espaço para realizarmos exercícios físicos, propus que falássemos sobre nossas experiências. Uma espécie de brainstorm emocional. A idéia era que o teatro estava afastado demais da vida das pessoas e com o “Não Pensa Muito” e o sucesso de School’Out, percebera que as pessoas queriam, mais do que tudo, ver suas vidas no palco. Por isso, sugeri os relatos com uma forma de pesquisar no ator emoções e sentimentos que facilitassem o processo de identificação com o público. O elenco começou a falar. Quando a boca se abre sempre diz mais do sujeito do que supõe nossa vã racionalidade. Um dos atores começou falando de sua primeira sexual, com meninos. A intimidade incomoda. Fiquei sem saber o que dizer. Não era por aí que eu tinha planejado. De repente, outro ator, começou a falar da sua primeira vez uma mulher. Uma mulher mais velha onde a cena tinha detalhes romanescos altamente sedutores, mas mais pareciam uns textos do José de Alencar. Sabia que ele não tinha a mínima atração por mulheres. Interrompi os relatos e terminei o ensaio sem fazer as improvisações. Não era por aí que iria seguir o processo. Na verdade a vida da gente, apesar de ser a fonte da criação, é muito menor do que qualquer coisa que o sujeito cria. E a criação, por sua vez, é que há de melhor em nos mesmos.

Abril, 28.

  1. Ensaio geral do “Não Pensa” na Assembléia.

Ensaio com tudo. Tivemos que conseguir seis banquinhos, duas mesas e um cubo. Figurino da Sônia para a Lúcia. Precisávamos de uma rotunda preta. Compramos pano e a Regina e a mãe dela costuraram. Um trabalho absurdamente pesado, transformar tecido preto, cortado em tiras, numa rotunda. Para quem não sabe rotunda é um tipo de cortina que se usa no fundo do palco. Tinha 8 metros por 4. Uma coisa quase absurda de costurar. Aquela rotunda serviu durante anos para montarmos o palco em cada cidade do interior durante as viagens do Bailei. Com ela, mais as pernas pretas – panos colocados nas laterais – podíamos montar um palco em qualquer espaço desde cinema, passando por auditório e até mesmo em ginásios. Um trabalhão da Regina e da mãe dela, mas valeu a pena.

Abril, 29.

  1. Estréia do “Não Pensa Muito Que Dói” na Assembléia.
  2. Estudei Traumato-ortopedia.

Maio 2, 3, 4.

  1. Estudei para a prova de Anestesia.

Um único comentário: haja saco!

Maio, 6, sexta-feira.

  1. “Não Pensa Muito” na Assembléia, segunda semana.
  2. Tive que aprender a técnica de traqueostomia e comprar luvas.

A peça na Assembléia não teve a mesma repercussão que dentro da Universidade. Um público atento e fiel mas que estranhava a realidade do meio teatral. Percebi que havia algo faltante no processo identificatório e por isso o impacto da peça era menor do que o esperado. Faltava as experiências em comum que possibilitavam uma integração entre público e espetáculo. O universo restrito colocava o texto no mesmo grau de distanciamento de outros espetáculos.

Lição número um: para o próximo trabalho teria que achar pontos de contato mais efetivos.

Maio 8, domingo.

  1. Encerramento da temporada.

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