Abril, 4.
- Prova de Urologia.
- Ensaio no IA.
- Confirmar datas na Assembléia.
Ensaios no Instituto de Artes. Começamos com as improvisações. Flávio, Cláudia e Márcia improvisaram uma ótima cena de traição e ciúmes. Pensei que poderia ser um ícone para a revolução sexual, do amor livre e de todo o alegre desbunde dos anos 60 e 70. Ainda não se conhecia a face mortal da AIDS. Todos podiam transar com todos e não havia a propriedade. Porém o amor livre não deu certo, pois qualquer amor nunca é livre, e sim tirânico e possessivo. O bisturi do ciúme fazia os seus efeitos. A revolução falhou, mas a cena decolou naquele dia.
Abril, 5.
- Lua minguante.
- Aula no IML.
- Roteiro.
Medicina Legal: visum et refertum. Lesões produzidas por instrumento contundente: escoriações, equimoses, hematoma, bossa, luxação, fratura, ruptura visceral, ferida contusa. Muitas lesões, mas as dores não mais. No morto a ferida, no vivo a dor. Característica da ferida por instrumento cortante: tem borda afiada, age por deslizamento, produz lesão linear, com bordas nítidas e regulares, fundo também é regular. Deixa uma cauda de saída e de entrada.
Dor psíquica é marca de quem está vivo, deixa cauda, cicatriz, é cortante, age por aprofundamento.
Devaneios para suportar o circo de horrores que é o IML e o cheiro da morte.
Vinha sendo assim há algum tempo. Nas aulas mais chatas da Medicina, eu tinha que fazer manobras de sobrevivência emocional contra o tédio. Restava o devaneio e a escrita automática. Através da imaginação eu fazia a minha guerrilha particular. Construía a minha Sierra Maestra, eu guerrilheiro mudando o mundo apenas com a força da minha caneta. Meus primeiros esboços dramáticos surgiram deste confronto. Sou grato a todos aquele professores extremamente chatos que me tornaram o que eu sou hoje.
Tivemos ensaios à noite e eu levei o aparelho de som. Esboço do primeiro roteiro.
Anotação: Deveremos trabalhar com as nossas memórias emocionais. O que aconteceu? O que era verdade, o que era mentira? Meia folha dobrada, presa na agenda, onde se lia 1964: Pai da Márcia organizando grupo dos Onze em Três Passos/ Pai do Júlio fugindo para Caxias/ armas em casa/ Prefeito de Camaquã se suicida (lembrança do Hermes).
Cena 1-3:
64 = revolução versus golpe. Localizar várias cenas curtas no interior. Forqueta, Três Passos, Camaquã, Porto Alegre, Garibaldi. Colonização alemã, italiana e fatos acontecidos na Capital.
Cena 3:
Chegada de Júlio do interior.
Cena 4:
Golpe de estado.
Cena 5:
Fuga para Forqueta.
Cena 6:
Prisão do Coronel Paiva, nosso vizinho. Partidão.
Cena 7:
Organização do grupo do Onze. Guerrilha. Gravação da Rádio, Discurso do Brizola, Jango.
Cena 8:
Resistência cultural: Arena, Opinião e Oficina. Censura. O mundo em revolta. Meus irmãos falando das passeatas, da polícia. Eu estudava, jogava futebol.
Cena 9:
Ano de 1968 – pichação, protestos, manchas nos muros; apogeu de um projeto cultural versus a censura.
Cena 10:
Copa de 70 – tortura. Morte.
Cena 11:
Surf, praia, Sta Catarina, alienação total. Podes crê.
Cena 12:
1975 ??? – Minha entrada na faculdade – meio universitário, filmesalternativos, teatro, livros proibidos. As mentes se abrem.
Cena 13:
1978 = Abertura / anistia. Mentira da liberdade.
Cena 14:
Eleição 1982.
Cena 15:
O sono não acabou.
Essa é a verdade que nos ensinaram e o nome desta verdade é mentira. Verdade versus mentira / realidade versus interpretação.
Este é o roteiro mais antigo que encontrei nas minhas dispersas anotações.
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