sábado, 15 de março de 2008

Diário de Montagem de Bailei na Curva 1983 (10)

Abril, 6.

  1. Foto do primeiro elenco do Bailei na Curva
  2. Unicena.

Com Flávio, Márcia, Regina, Claúdia, Hermes, Torquato e eu, os ensaios para a nova peça continuavam. Interrompido apenas para a apresentação do “Não Pensa Muito” abrindo o Projeto Unicena. Convidados pela organizadora Haidée Porto antes mesmo da premiação tivemos todas as expectativas superadas. Foi uma loucura. Habituados a salas de teatro vazias, nós tínhamos pela frente um público de mais de mil pessoas. Era o início de uma aventura que duraria mais de vinte anos e mudaria o perfil do público e o sistema de produção do teatro gaúcho. Foi uma apresentação memorável. Elenco estava entusiasmado. Hermes Mancilha, Marília Rossi, Flávio Bicca, Sônia Coppini, Lúcia Serpa e Torquato Filho. Este estava especialmente inspirado. Exuberante e divertido, Torquato tinha um humor espontâneo quase infantil, e às vezes quase ingênuo. Por isso mesmo era um pouco trapalhão o que o tornava, involuntariamente, mais divertido. Em especial quando tentava ser sério. Naquele dia ele realizou a proeza de cair do palco na cena do Reitor. Torquato sentava-se numa cadeira à beira do palco, de costas para o público. Toda sua força interpretativa se concentrava no movimento e intensidade das mãos, da coluna e dos com os braços uma vez que o rosto encontrava-se encoberto. No entanto o chão encontrava-se escorregadio por conta de um piso de plástico totalmente inadequado. O calor da platéia incendiou a atuação do Torquato que começou a se mover de forma ainda mais intensa. Sua cadeira escorregou e ele caiu sobre o público. Como um precursor dos shows punks que só vieram a se realizar nos anos 90, Torquato foi arremessado de volta pela massa que ainda o aplaudia. Ele virou-se para o público, pediu silêncio e retomou a peça. Torquato era uma figura à parte. Ator mais importante do “Não Pensa Muito Que Dói” tanto que vinte anos depois, remontei a peça tendo como nome do personagem principal, meu querido amigo.

Abril, 10.

  1. Ensaio no Auditório Tasso Correa.
  2. Saída do Torquato.

Torquato disse que ia sair da nova peça. Chegou no ensaio e falou que adorava trabalhar comigo, mas que tinha um convite para fazer “A Cantora Careca” de Ionesco com direção de Antonio Gilberto que ele amava. O ensaio não estava muito bom e quando o Torquato falou que ia sair eu fiquei ainda mais frustrado. Sabia que ele era uma pessoa muito importante em todos os processos que participava. Um incentivador, me apoiava, dava sugestões. Gostava de me estimular dizendo eu deveria ousar muito e sempre, pois de outro modo, Dioniso não me perdoaria. Torquato via em mim algo que demorei muitos anos para acreditar. E agora estava ele ali desistindo do trabalho. Eu falei que até achava que a peça com direção do Antonio Gilberto seria boa, mas que nosso trabalho seria trezentas vezes melhor. Foi uma das muitas bravatas que lancei ao longo de minha vida. Quando acossado acabo reagindo assim. Como certa vez pulei da plataforma de cinco metros no Petrópolis Tênis Clube. Nunca havia pulado de tal altura. Olhava com admiração e pavor os meninos da minha idade saltando da plataforma. Quando o Dani, um vizinho arrogante, me desafiou a saltar. Eu respondi que não saltava porque não queira.

Então ele pediu a prova:

- Vai lá e salta.

Eu fui. Um frio na barriga, o chão saindo debaixo dos meus pés. Saltei.

A saída do Torquato me remeteu ao mesmo desafio. No íntimo lamentava e muito a saída do Torquato e agora se juntava a Marília no repertório de perdas. “Bailei na Curva” teve mesmo muito mais repercussão do que “A Cantora Careca”, por outro lado, Antonio Gilberto, migrando para o Rio de Janeiro, se tornou um grande diretor e um dos produtores de maior prestígio no centro do Brasil.

Torquato também foi morar no Rio. O vi pela última vez quando ele levou a mim e a Patsy Cecato, com quem eu já era casado, para o Sambódromo. Torquato morreu de AIDS nos anos 90, foi cremado. Suzana Saldanha, amiga comum e sempre solidária, passeou com sua urna pela Av. Atlântica numa manhã de sol e depositou as cinzas na paisagem do Arpoador que Torquato tanto adorava. Deveria estar um palco, junto com os fantasmas de todos os atores que amaram o teatro e dedicaram suas vidas para este ofício enlouquecido e apaixonante.

Abril, 11.

  1. Exercício da Viola.

Resolvi aplicar a técnica da Viola Spolin. Trata-se de uma série de exercícios de improvisação de uma americana que conseguiu sistematizar a técnica de interpretação do encenador e ator russo Constantin Stanislawski. Esta técnica suscitou a primeira grande experiência brasileira com os exercícios da Viola Spolin, esta uma americana que tratou de sistematizar Stanislawski usando um modelo pragmático de realização. Tomara contato com Viola Spolin quando fizera um curso de extensão com a Malu Pupo que veio de SP e ministrou aulas durante uma semana. Foram exercícios reveladores. Cada cena do Bailei é uma aplicação direta do método da Viola. Em Porto Alegre Beto Ruas & Suzana Saldanha recém chegados de Paris traziam na mala as últimas novidades. Beto com o uso do “plateau” e máscara neutra produziu um belo espetáculo baseado na obra de Franz Kafka: “O Processo”. Suzana vaticinava que o futuro do teatro estava entre o Plateau (técnica das máscaras) e Viola (improvisação). Também fiz curso de máscaras com o Beto, mas optei pela Viola.

Um comentário:

Karina Galluzzi disse...

Olá, gostei muito do seu blog, estou começando agora no amor pelo teatro, e tenho certeza de que vc teria muitas dicas e experiências fascinantes.
Grata.
Karina Galluzzi