Janeiro, 12.
- ZH segundo caderno.
O destaque de capa do Segundo Caderno de Zero Hora foi o retorno da Europa da primeira dama do estado, Dionéia Soares, esposa do então governador Jair Soares, o que reflete o tamanho da importância que a mídia dava para os dos eventos culturais da cidade. Naquele mesmo dia estava se apresentando no Bar do IAB, Nelson Coelho de Castro com o show “Um Braço Clandestino No Espaço” onde ensaiava as músicas que viriam a compor o disco “Vim Vadia” que seria lançado no inverno daquele ano.
Quarta-feira era dia da coluna Ti Fraga, do humorista Fraga que mais tarde encarnaria o Analista de Bagé do Luis Fernando Veríssimo e faria um dos mais belos comentários sobre a peça que ainda não tinha nome e que viria a ser Bailei na Curva.
Todos nós éramos iniciantes.
O segundo caderno era tradicionalmente feito por jovens jornalistas, recém saídos da Faculdade que, assim que adquiriam certo status migravam para setores de maior prestígios. O resultado disso é que cada artista que entrava na redação tinha que se apresentar e falar sobre a sua trajetória de novo e de novo e de novo. Como se a cultura feita no Rio Grande do Sul estivesse sempre no marco zero.
Nestes anos 80, Juarez Fonseca, um jornalista símbolo do reconhecimento dos artistas que produziam em Porto Alegre, estabeleceu um jornalismo galmouroso, no qual destacava as individualidades e enaltecia as estrelas. Contribuiu muito para o esboço de um “starsystem”. Porém, como novas e desastrosas editorias, inverter-se o eixo e a política cultural do jornal se submeteu a um processo maior, valorizando eventos que não tínhamos acesso e solapou o movimento artístico dos anos 80. Tínhamos um jornal que falava mais do mundo do que do Bom Fim.
A velha questão entre a aldeia e o mundo e que santo de casa não faz milagre. Mas algum santo em algum lugar do mundo fazia milagre.
Não aqui.
Janeiro, 14.
- Aula de Medicina Legal.
Conteúdos necessários para constarem no laudo: preâmbulo, quesitos, histórico, descrição, conclusão e por fim resposta aos quesitos.
Janeiro, 13.
- Anestesiologia.
- Cinema.
- Aula
O médico contratado nos obrigou a anotar na agenda para que não fizemos besteira, a cor dos cilindros. Oxigênio, tubo preto, gás carbônico, cilindro alumínio, carbogênio (oxigênio + gás carbônico a 5%) = preto + alumínio. Ar comprimido: cilindro azul segurança (isto é, azul claro); N2O azul marinho. Nunca usar graxa nem óleo em O2, pois teremos risco de fogo.
Cinema
Ainda neste janeiro assisti duas vezes ao filme A Guerra do Fogo, de Jean Jaques Annaud no Cine Imperial, contando a pré-história do homem na sua conquista do fogo. Três homens das cavernas, numa época em que a linguagem engatinhava e eles se comunicavam com urros, saem em busca do segredo do fogo. No contato com grupos estrangeiros, do mesmo modo que Prometeu, roubam o fogo dos deuses e criam uma nova cultura. Durante a segunda exibição que assisti, faltou luz e o Imperial ficou as escuras. Instintivamente dei um urro de protesto. O cinema todo caiu na gargalhada. Uma tênue sensação nos unia apesar dos séculos.
Janeiro, 16.
- Pensamento positivo.
Marília Pêra estréia no Rio de Janeiro a peça “Adorável Júlia”. Zero Hora traz fragmento de uma entrevista na qual ela afirma que no Brasil é muito difícil fazer teatro.
Refletindo
Se para Marília Pêra que já era a Marília Pêra, o que dizer sobre o que acontecia em Porto Alegre? Em 1983 tínhamos um mercado restrito, poucos e honrosos sucessos, valorização precária da arte teatral e quase nenhuma divulgação dos espetáculos ditos “locais”. Para evidenciar tais proposições bastaria folhear os cadernos de cultura da época. Um público de no máximo duas mil pessoas, sempre as mesmas, a maioria de conhecidos ou aspirantes ao palco. Seria até divertido entrar no teatro e conhecer todos os espectadores.
Se não fosse trágico.
Um comentário:
Julio, este seu dispositivo , é genial pois evoca a memória e informa a quem não viveu esta época e também instiga os desmemoriados sobre acontecimentos culturais, politicos. Assim como nos remete a passagens, a vivências e rituais de auto descobrimento. Fiquei muito feliz, por relembrar e saber coisas que só gente vive, e mais ainda por sua sensibilidade de comungar isto. Um grande abraço. Jones
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