quarta-feira, 10 de setembro de 2008

1983


Setembro, 6.


  • Telefonar para o Janjão
  • Marquinho: Geraldo.
  • Ensaio no Teatro do IPE

O Janjão Freire foi corredor de automóveis, corredor de maratona e diretor da Taurus. Era também cunhado do meu irmão. Por isso, na hora do aperto, liguei para ele para ver a possibilidade de patrocínio. Ele tentara me colocar num comercial da Taurus sobre um novo tipo de chave de fenda que possuía um imã facilitando o contato com o parafuso. Efeito carimbador maluco. Não deu certo, mas nesta tentativa prévia, ficara sabendo que o Taurus estava querendo mudar a imagem de uma fábrica demasiadamente marcada pela confecção de armas. Falei com o Geraldo e pensamos em propor algo para a Taurus no sentido de oferecer um marketing cultural e aliviar a pressão negativa sobre a marca. Marcamos uma reunião no Bar do IAB, um tanto informal, e avisei o Flávio Bicca que estaríamos lá. Ele insistiu em participar. Geraldo Lopes e Janjão Freire frente a frente na mesa e eu e Flávio nas adjacências. O negócio era entre empresários e nós éramos neófitos, cabia observar mais do que agir. Geraldo falou um pouco sobre o significado da associação entre a marca de uma empresa e o produto cultural. Janjão falou do seu interesse nesta associação. Eu já imaginei o dinheiro entrando para fazer uma bela estréia, com cartaz, programação gráfica e divulgação. Foi aí que o Flávio falou:
- E qual é a posição da empresa quanto à venda de armas em Moçambique?
Silêncio no tribunal. Geraldo virou um pimentão, literalmente, não é figura de linguagem. Quem conhece o Geraldo sabe que ele quando se irrita ou se constrange ou ri fica totalmente vermelho. Pois naquela hora ficou vermelho de raiva. Eu tive vontade de comprar uma arma da Taurus e dar um tiro no Bicca. Janjão foi o mais cordial. Olhou para o Bicca, falou algumas coisas banais, pediu a conta e saiu. Fim do patrocínio. Depois comentando com o grupo, a Claudia Acursso, Lúcia Serpa, o Hermes Mancilha e o Cláudio Cruz também se manifestaram contra a idéia de uma peça que fazia uma crítica a ditadura do regime militar, ao estado de exceção e a tortura, associar-se a uma fábrica de armas. Eles tinham razão. Ainda abem que o Flávio fez aquela besteira, senão eu teria feito uma besteira maior. Teria aceitado para o Bailei na Curva um patrocínio de uma marca de arma de fogo.
Seria um tiro pela culatra.

A origem do bonequinho do Bailei

Na tarde me encontrei com o Marquinho na Getúlio Vargas. Ele trabalhava numa agência de publicidade e fazia alguns free para a Opus. Como não podia me receber na agência, nos falamos na calçada. Ele já tinha um brife, mas tinha dúvidas. Conversamos, falei que minha idéia era que a peça começasse como se fosse uma peça infantil, que tivesse uma ingenuidade inicial para depois evoluir para um drama. Era essencial uma leveza que relaxasse o público e ao mesmo tempo prenunciasse o trágico. Marquinho era uma pessoa maravilhosa, um metro e pouco, muito astral, falava alongando as vogais e melando as palavras. Quase bicho grilo e desse jeito mesmo ele falou:
- Mas afinaaaaal, o que tu queeeer?
Eu estava cansado, uma porção de decisões. Levantei os braços, encolhi os ombros e devo ter feito uma cara de desiludido.

Ele falou:
- Quem sabe um bonequinho, assim, com esta expressão? – e encolheu os olhos, comprimiu os olhos e abriu os braços me imitando.
Olhei para ele, ali no meio da Getúlio, final da tarde, e vi no corpo deleo aquilo que ele viu no meu: o bonequinho do Bailei.

Ensaiamos a noite até tarde, pois no dia seguinte era feriado. Durante o ensaio já tinhamos o bonequinho do Bailei, pelo menos na cabeça do Marquinho.

2 comentários:

Rodrigo Monteiro disse...

tah.

tu tb é um pentelho da carta...

ahuahauahuaha



ou melhor, do blog!

e eu adorei!!

bjus

JULIO CONTE disse...

Rodrigo, sabe que foi marcante a tua entrada em cena através da carta emocionada que escreveste.
É bom ter uma pessoa legal como tu por perto.