domingo, 5 de outubro de 2008

1983


Setembro, 15.
  1. Fotos para o programa.

Tenho uma Recordação Escolar de 1963. Foi num dia cinza em Forqueta que a rotina de aulas foi quebrada. O fotógrafo passou pelo Grupo Escolar Francisco Generozzi. Uma fila imensa e longa espera até chegar na escrivaninha improvisada no pátio. Uma bandeira do Brasil ao fundo, um globo no lado direito e um número para identificar o aluno. Meu número foi o treze. Apesar de ser uma foto em preto-e-branco, o mapa foi pintado com uma tonalidade esverdeada. Há um bloco na esquerda também pintado de amarelo. Eu estou segurando um lápis, como se estivesse escrevendo. O sorriso descobre dois grandes dentes de coelho e os olhos estão espremidos pela luminosidade difusa do dia nublado. Essa foto foi uma das inspirações poéticas do “Bailei na Curva”. Tentei que cada um do grupo encontra-se a sua. Mas alguns eram de épocas diferentes e outro nem mesmo tinham tirado a foto. A solução do Geraldo foi produzir as fotos. Nos encontramos no Estúdio de Fotografia do Luiz Antonio Guerreiro na Av. Getúlio Vargas. Era tarde da noite, após o ensaio. Recriamos a escrivaninha, o Globo, a bandeira e o clima de espanto. Depois, todos nós escrevemos um texto para ilustrar o momento.
Cláudia Accurso: eu tinha sete anos, estávamos saindo da Bolívia pelo mesmo motivo que tínhamos saído do Brasil. Eu não entendia bem. Minha mãe foi me buscar na escola e lembro que perguntei se podia levar p “Cuaderno de Dibujo”. Ela respondeu: “Outro dia”. Em seguida pedi: “E a caturrita?”.
Hermes Mancilha: eram idos de 68 quando aconteceu meu real encontro com o teatro como iluminação gerada por eles – Black Out, cenário feito por nós – Fábrica num salão paroquial, no 1º de maio com gente e com prisões meus pés alados voavam até o forno a queimar aquele texto quase duas horas black out a maior limpa, muita gente se foi para nunca mais voltar.
Cláudio Cruz: um Caco de Lua, um céu índigo blue, a Lua do Caco, a Lua da Lu, Mas Cação não sabia que a liberdade não é uma Lee, a liberdade é uma Lua, a liberdade é uma Luz, a liberdade é uma Lu.
Flávio Bicca Rocha: Quando saí de casa para morar sozinho disse: “pai, como é que eu vou comer alguém sem carro?”. Com esta lógica irrefutável alcancei meu objetivo: “Livre e de carro”. Passados alguns meses, o filho pródigo volta a morada para visitar. Só que trouxe consigo mais dois. Um na barriga.
Lúcia Serpa: Mil novecentos e sessenta e quatro. Eu estava nascendo. Nasci chorando. É que eu já estava espiando tudo o que acontecia. Todos os bailes nas curvas, toda a escuridão e eu bailando no útero, fazendo força para sair. Será que eu devia? Foi melhor assim. Estou na luta e não vou me perder por aí.
Márcia do Canto: Eu estava no primário quando me ensinaram: “O Reinos dos Pobres é o Reino dos Céus!”. Como meu pai era médico do interior e por isso pessoa muito importante, fiquei apavorada: “Será que eu vou para o Inferno?” Acho que rezando eu dou um jeitinho.
Regina Goulart: Dia do Golpe? Claro que eu me lembro. Eu tinha oito anos. Naquele dia voltei da escola num contentamento tão grande quanto só uma criança que teve suas aulas suspensas consegue sentir. Em casa encontrei meu pai com o rádio de pilha grudado no ouvido tentando saber das últimas. Eu entrei cantando, feliz da vida. Ele, como estava muito nervoso, acabou me dando a maior surra. O golpe escreveu torto por linhas retas.
Júlio César Conte: Eu tinha sete ou oito anos e meu pai me chamou para uma conversa séria. No quarto dele me apresentou um livro “Eu e o Sexo”. Eu já tinha lido o que na época se chamava “catecismos”, onde se aprendia sexo na teoria. Quando ele me perguntou se eu sabia alguma coisa sobre o assunto eu rapidamente respondi que não. Curioso iniciei a leitura. Falava de uma flor que na primavera se modificava, descrevia o pecíolo, o pólen, gineceu, androceu, etc. Os últimos parágrafos eram esclarecedores: pecíolo representava o pênis, o pólen o espermatozóide e assim por diante. Depois daquela leitura sobre sexo fiquei sabendo de tudo. Sobre botânica é claro.

Usei os óculos do meu pai e ainda estava usando um bigode bastante ralo para o personagem do Professor Cid do filme Verdes Anos.

Setembro, domingo, 18.

  1. Ensaio no IPE.
Aqui a foto do meu sobrinho Gustavo Conte Moojen bem na época que escreveu a cena cinco da peça. A página 40 da primeira edição pela L&PMpor justiça a ele pertencem. Hoje ele é arquiteto, dos bons, budista, tem dois filhos que assumiu e roda pela cidade numa Harley Davidson.

A cena 5, casa da Ruth, está difícil de resolver. Regina já acertou na Dona Elvira porém a criança dela ainda não produziu o texto adequado. Escrevendo durante à tarde, me lembro de uma situação que aconteceu com o meu sobrinho.
- Eu não vou na aula – ele afirmou.
- Tu queres ficar burro? – ele argumentou.
- Eu não – como medo.
- Então vais à aula – vitoriosa.
- Estás me chamando de burro? – preparando com astúcia a jogada.
- Não entendeste bem.
- Viu... não entendi bem, então eu sou burro! – disse atacando.
- Gustavo, não escutaste direito.
- Diz que eu sou surdo, diz! – aumentando a consistência da argumentação.
- Estás fazendo confusão – minha irmã tentando se defender.
- Me chama de louco... vamos, me chama de louco! – afirmou Gustavo cada vez mais confiante.
- Gustavo, a mãe só está querendo te ajudar! – disse minha irmã, já desesperada.
- Me chama de burro, de surdo e de louco e ainda diz que quer me ajudar! – e assim ganhou a discussão.
Aproveitei o diálogo integralmente. Anos depois Gustavo, com seus dez anos de sagacidade leu o texto editado em livro. Ele veio me cobrar só que desta vez a vítima da argúcia era eu:
- Tio Júlio, a página 40 fui eu que escrevi.
Outro problema. O palco é muito estreito. Durante os ensaios no teatro percebemos que não há profundidade suficiente para desenhar uma boa caixa cênica. Surgiu então a idéia de colocamos um avanço no palco.

2 comentários:

Rodrigo Monteiro disse...

nunca me esqueci que a 47 é a da freira.

AXL disse...

Eu estudei, com algumas greves e semestre trancados ou abandonados, no IA de 79 até 88. Tive aula no DAD e cheguei a ser colega do Hermes.Minha irmã se formou e é amiga da Cláudia. Tu deste aula para o meu filho na PUC.A minha foto escolar foi tira de Lageado no ano da revolução. Meu negativo queimou e eu nunca recebi a dita (minha filha chama isto de Síndrome de Charlie Bronw).Meu pai era do BB e fomos criados sem nunca ver um "subversivo". Morei no interior até o vestibular. Casei cedo, tive filhos cedo, aprendi sobre 64 e a ditadura na marra, solitária, tateante. O resto da vida do meu pai, nós gastamos dircordando e discutindo. Pra meus filhos eu dei o fundamental, direito ao saber e liberdade pra decidir, o resto era livre arbítrio deles.
Tudo isto que eu estou dizendo é pra entender por que nunca fui assistir o Bailei. Nunca.