segunda-feira, 11 de agosto de 2008




Agosto, 3.


  • Ensaio.

    Passamos bom tempo discutindo quem entraria na peça no lugar do Néco. Um drama interno. Todo o mundo dando palpite e ninguém escutando ninguém. Aí surgiu o nome do Claudio Cruz que estava ensaiando Esperando Godot. Pensei que um diretor por perto me ajudaria nos meus momentos de incerteza. Fui até a Reitoria onde Cláudio Cruz ensaiava. Convidei. Ele estava cansado de dirigir, queria respirar um pouco o ar do palco e viver um tempo com ator. Para surpresa geral ele aceitou naquela mesma noite.



Atendi a minha primeira paciente. Uma moça bonita. Cabelo curto, livros debaixo do braço. Estuda para o vestibular. O seu olhar é sem vida. Ela fala muitas coisas e eu não entendo nada. Sinto uma tristeza muito grande. Anoto no prontuário os dados pessoais. Nome, endereço, filiação. A tristeza eu guardo comigo.

Agosto 4.



  • Roberto da Arco Filmes. Possibilidade de fazer um comercial.

    Quando o Cláudio Cruz entrou na sala de ensaios, uma boa parte do texto já estava pronto. Isso não diminuiu sua importância, pois como ele era diretor e bem mais experiente do que eu. Ao longo do processo, muitas vezes recorri a ele para tirar dúvidas. Ele entrou direto nos ensaios e se integrou muito bem ao grupo. Só havia um problema, Cláudio, ao contrário do Néco, não era nenhum galã. E eu já tinha cenas em que todas as gurias queriam o Néco. Tivemos que adaptar. No meio do ensaio alguém trocou o nome de Néco por Caco. Todos acharam graça. E eu deixei. Tinha tudo a ver.

Mesmo assim ainda faltava gente para realizar uma quantidade absurda de troca de roupas e de personagens. Precisava de mais um ator e uma atriz. Cláudio resolveu uma parte do problema. Chamamos a Lúcia que estava fazendo produção executiva para entrar em cena. Ela herdou os personagens criados pela Márcia entre eles a Lulu. Márcia não queria que eu tirasse aquele personagem dela. Mas tive que optar. A Gabriela e a Lulu tinham muitas coisas parecidas, um espírito moleque. A Márcia celebrizou a Gabriela. Nunca houve uma Gabriela como a dela. E a Lúcia, desenvolveu a Lulu a ponto dos personagens não parecerem advirem da mesma origem. Ainda faltava um ator.


Desenhava-se dentro de mim o eterno anseio de estar em cena. Uma sina.

Agosto 5.




    A foto é do lançamento de meu primeiro livro de contos, uma obra coletiva que o Abrão Slavutzki compareceu para dar o seu prestigioso apoio.

  • Alta da análise com Abrão.

    Nos últimos tempos de análise o dinheiro que meu pai destinava para o tratamento se encerrara e não tinha mais nada para vender. Tivemos que organizar uma alta. Sai aos poucos do divã e passei para o frente a frente. Neste período houve um fortalecimento da minha auto-estima. Ao contrário do que imaginava quando analisara as minhas primeiras experiências de vida onde, em virtude de uma grave hemorragia de minha mãe na sala de parto, na qual fui deixado durante horas à mercê da sorte enquanto os médicos tentavam salvar a vida da minha mãe, que de alguma forma eu valia a pena. Esta frase fecha uma das cenas finais do Bailei. Nos despedimos formalmente. Bem diverso do segundo período de análise quando eu já estava em formação. Nesta segunda oportunidade houve um agradecimento mútuo e um abraço carinho. Existem despedidas com certas pessoas que são sempre dão idéias de que estamos frente a um recomeço. A aceleração criativa produzida pelo confronto das personalidades gera frutos além da capacidade do par. Repito: o que a gente cria e sempre melhor do que aquilo que a gente é. E por isso, por nossos textos, nossas peças, nossos filhos, nosso trabalho, pelos abrigos e laços que construímos ao longo da vida, é que se passa toda a nossa evolução. E as experiências vividas acabam unindo as pessoas numa sociedade invisível, cuja única regra é manter a vida andando e intensa.

Agosto 6, sábado.
  • Curso como pessoal da CEF de manhã.


  • E ensaio na ABIPEX à tarde.

    A sala da ABIPEX era um muquiço quase na esquina da Rua Riachuelo com a Caldas Junior. O mofo da sala e sol das duas da tarde me puseram para a rua. Sentei me no cordão da calçada da Riachuelo esperando o pessoal. Ensaio sábado é foda. Todo o mundo se atrasa. Eu só não me atraso porque sou o diretor e diretor tem que dar exemplo. O pessoal foi chegando aos poucos, cheios de preguiça no corpo, digestão em processo e um pouco de ressaca. Entrar numa sala de ensaio é um exercício semelhante a começar a escrever um romance ou se preparar para uma palestra. Dá um medo e uma preguiça. É o pavor da folha em branco. Quando todo o pessoal chegou ainda resistimos um pouco mais desfrutando o calor delicado do sol de inverno. Entramos na sala e a umidade e o frio persistente nos deprimiu. Lá fora uma bela tarde de sol nos convidando. Alguém falou:
    - Vamos ensaiar na no parque.
    Já havia tido este tipo de experiência. Várias cenas do “Não Pensa” foram ensaiadas na Redenção e “O Reino do Sol” no Jardim Botânico. É muito interessante este tipo de ensaio pois na época nos remetia a performances urbanas e Porto Alegre ainda não era uma cidade com um teatro de rua tão forte como é hoje. Além disso, o caráter de subversão sempre atrai o teatreiro.
    Resolvemos ir até a Usina do Gasômetro. Começamos o ensaio depois de algum tempo a tomar sol, deitados na grama. Neste grande abraço grupal foi que surgiu, entre uma brincadeira e outra a idéia de que a personagem da carona fosse a Lu. A cena do carona já era um grande problema. De início improvisamos um acampamento em Garopaba. A viagem, a barraca, o macarrão com molho de sardinha, o saco de dormir, quem deita com quem. A Regina ensaiou vários dias uma música da Janis Joplin que eu pedi para ela cantar em cena. Todas legais, mas não foram aproveitadas, pois em que pese à vitalidade, estancava o ritmo do espetáculo. Única definição era que seria uma cena para desenvolver a história do Caco. O texto provisório tinha cinco páginas e isso corresponde há quase quinze minutos. Com o tempo, a cena foi cortada, uma partezinha aqui, outra ali, parte por parte se esvaindo até virar a cena da carona. Dois páginas de texto enxuto, preciso e cirurgico. Foi no meio desta orgia da preguiça, deitados na grama, perto da Usina que surgiu a idéia do Caco reencontrar com a Lu. Aquela guriazianha pentelha da Reunião Dançante viraria uma mulher muito gostosa na estrada para Santa Catarina. Este fechamento de cena caiu do céu como uma maçã de Newton. Justamente quando estávamos todos dormindo, viajando, devaneado. O sonho inventa a vida e somos feitos desta mesma matéria como o bardo inglês nos ensinou.
    Começamos o ensaio desta forma, meio sério, meio brincado, mais celebrando o sol e a vida do que preocupados com a peça. Balei já estava em estado adiantado de constituição e por isso relaxamos.
Dois mendigos e um ciclista pararam para nos assistir. E pelas risadas percebi que algo vital e importante estava sendo produzido. Eles foram, sem saber sequer o nome da peça, o primeiro público da Bailei na Curva.





Agosto, domingo, 7.

  • Livre.

    Anotação ao pé da página: Teofilina Bermácea. Aerolin Spay. Aerolin Solução.
    (Será que era para mim ou para o Pedro?)

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