domingo, 15 de fevereiro de 2009

Setembro, 21.


  1. Ligar para a Opus Promoções.

Entramos no Teatro do IPE. A sala estava fechada há algum tempo. Um auditório para cento e vinte pessoas já não era usado nem para palestras. O ar condicionado funcionava, embora o barulho do aparelho fosse insuportável. Comunico ao Geraldo as condições do teatro e que não há refletores disponíveis. Em poucas horas chegam vinte refletores, cabos, gelatinas e uma mesa de luz. Eu olho para aquele mundaréu de spots no chão e me apavoro imaginando a despesa e o estouro do orçamento.

O que para a Opus era o corriqueiro para mim era uma exorbitância. Não estava acostumado.
Combino como o Hermes, acho que com dez refletores se pode fazer uma boa luz. E dou a ordem de devolver o resto. Hermes intervém, salta na minha frente e manda que os funcionários deixem todos os refletores onde estão. Vira-se para mim e afirma que quer todos aqueles refletores. Já que estão aí vamos usar.

Elipse 1

Hoje penso que vinte refletores não são nada para iluminar um espetáculo. Mas tenho que confessar que ali, em 1983, recém saídos da escola, com um profissionalismo frágil e nascente, nunca tinha visto usar tantos refletores numa só peça.

Setembro, 27.

  1. Ensaio para a Censura.

  2. A mancada do Heitor de Opus.

Os ensaios para a Censura eram do modo geral um protesto contra tal exigência. O que se via no palco era, de modo geral, um arremedo do espetáculo. Pois, num primeiro período de resistência, fazia-se tudo para confundir os censores. Textos eram mudados. Cortava-se cena, os tempos da trama eram alterados. Tudo de modo a encher o saco e atrapalhar os censores. Cortavam-se textos que se imaginava possíveis de serem censurados e, durante a temporada, acabamos tendo problemas. Pois a Censura voltava e acabava dilapidando a obra. Houve até um censor que estudou comigo na Escola de Teatro, segundo ele para cortar as obras com mais critério. Boa piada. Um censor consciente era tudo o que não se precisava. Este “colega” dormia nas aulas de Evolução do Espetáculo e numa oportunidade dormiu em no ensaio de uma peça infantil, “As Aventuras de Um Diabo Malandro”. O diabo era eu.


Num segundo momento, o modo de enfrentar a censura mudou. Ao invés do corte e a omissão, optou-se pelo exagero. Quando havia um palavrão, o ator emendava mais dez sinônimos. Quando havia um desnudamento insinuado, o elenco escancarava a nudez crua. Quando havia situações políticas, multiplicava-se as metáforas. O censor evidentemente cortava. E nesta hora entrava o produtor e o diretor a negociar. Acabava ficando quase na medida do que se queria.


Quase.


O ensaio da censura do Bailei na Curva foi uma experiência inusitada. Tínhamos pouco tempo para ensaios gerais e resolvemos aproveitar aquele da censura, como um ensaio completo. Solicitei para o elenco fazer a peça como era mesmo. Os tempos já estavam arrefecendo os ânimos ditatoriais, ares democráticos arejavam os corredor da burocracia militar e prenunciava a abertura. Depois de duas horas de espetáculo escuto palmas. O censor aplaudiu. Aproximou-se de mim e me parabenizou. Levei um susto. Não era para ele gostar e por um momento pensei que a peça tinha errado o alvo. Fiz uma brincadeira dizendo que se eles gostaram que então não cortassem nada.

Na cama, insone, olhando o teto, imaginava o estrago que a Censura poderia fazer.

Na Opus converso com Heitor. Ele é o braço direito do Geraldo, bom produtor mas um pouco distraído. Ele me mostra o release de divulgação. Bailei na Chuva no Teatro do IPE. Ele pergunta se eu gostei. Leio de novo: chuva? Todos os releases tiveram que ser refeitos e os funcionários passaram a tarde telefonando para os jornais e rádios. O Heitor durou mais algumas semanas e foi substituído por Carlos Konrath, hoje sócio proprietário da Opus.

Um comentário:

Rodrigo Monteiro disse...

Queria muito saber como era o fim da peça em 1983, antes das Diretas e da morte do Tancredo... Acho que tb não tinham piadas sobre a inflação e Sarney e Collor...

Um dia, tu conta?

Abraços,