terça-feira, 21 de abril de 2009

Outubro 29-30



  1. Últimas apresentações.

Terminamos a temporada. Geraldo usou pela primeira vez a chamada publicitária aquele que seria uma marca da divulgação do “Bailei na Curva”: últimas apresentações. O público de Porto Alegre de modo geral deixava para assistir os espetáculos gaúchos nas últimas apresentações. Geraldo, muito esperto, acelerou o hábito.


O espetáculo terminou com todos do elenco abraçados. Tínhamos um grupo muito unido e alegre. Alguma coisa estava mudando. Porto Alegre já não era mais a mesma. Depois disso, muitos eventos mudaram mais e mais a cara da cultura gaúcha. Encontro Renner de Teatro, Porto Alegre Em Cena, Porto Verão Alegre e a Mostra de Inverno foram filhos de um sonho comum de solidariedade que nascia naquele belo ano de 83.

Novembro, 2.

  1. Ti Fraga na ZH.

Fraga, em sua coluna no jornal Zero Hora, escreveu a seguinte nota. “É a coisa mais comovente, divertida e inteligente a que eu pude assistir sobre a geração pós-revolução.”
Levei um susto. A criatura começa a inventar o criador.

Elipse

Fraga manteve uma página na Zero Hora durante anos. Ele era um caricaturista e escrevia com muito humor e sensibilidade. Ocupou um espaço muito dievertido no imaginário da cidade e em especial do meio psicanalítico quando interpretava o Analista de Bagé. Paricipava de congressos como convidado e respondia de improviso as perguntas durante debates científicos. Genial.

Novembro, 19.



  1. Correio do Povo.

Comentário de Antonio Holhfeldt para o Correio do Povo: “É um trabalho altamente respeitável e emocionante, porque é feito com garra, com sinceridade, com carinho e muito respeito.”


sexta-feira, 10 de abril de 2009

23 OUTUBRO DE 1983

Outubro, domingo, 23.

  1. Vídeo na Usina.
  2. Décima apresentação BC.

Céu nublado e vento frio. Fui para a Usina do Gasômetro para participar do Beijo Ardente, Overdose. Eu seria um técnico de explosivos que explodira paredes para localizar o Vampiro de Porto Alegre. Fui com um terno de linho branco que meu pai usara na sua juventude. Feita a caracterização, óculos de aro de tartaruga, uma bandagem na cabeça e vários curativos. Eu era um técnico um tanto relapso que freqüentemente falhava na quantidade de dinamite necessária. Havia uma mobilização muito grande, várias viaturas da Brigada envolvidas, técnicos de som e luz, pessoal do cinema e da publicidade ensaiava os primeiros passo. Gravei a cena. Só no ano seguinte o vídeo ficou pronto. Foi mais um dos eventos marcantes do ano de 1983. Teve a participação de quase todos artistas da minha geração. Assisti o vídeo no Teatro do Instituto Goeth. A direção era da Flávia Moraes em parceria com o Hélio Alvarez. Tinha no elenco Andréa L´Abbate de São Paulo, Antonio Carlos Falcão, Oscar Simch, Pilly Calvin, Claudia Meneghetti, Careca da Silva, Bira Valdez, Grupo Cem Modos, Mery Mezzari, Jesus Iglesias, Sérgio Silva, Marília Rossi, Nora Prado, João Pedro Gil e mais um grande elenco. Diálogos de Telmo Ramos, talentoso redator de publicidade, cenografia de Fiapo Barth, figurino e maquiagem de Fernando Zimpeck. De cima do telhado da Usina, Para Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina, música do Nei Lisboa, ilustrava com uma grande panorâmica de 360° uma cidade que dava seus primeiros passos na produção cultural em direção de um profissionalismo crescente. Reunidos muitos acabaram fazendo carreira no cinema, na publicidade e nos palcos. Era um mutirão cultural. Pela segunda vez naquele ano que um conglomerado de artistas se reuniu. A primeira fora nas filmagens dos Verdes Anos. O objetivo do Beijo Ardente, não era só fazer cinema como em Verde Anos, mas chamar atenção para a Usina, impedindo que ela fosse demolida O desejo coletivo era de que, algum dia, a Usina se tornasse um Centro Cultural. Em 2002 assisti em sessão especial foi assistido por quase todo o elenco, vinte anos depois no cinema da Usina do Gasômetro, já transformado num dos maiores centros culturais do Porto Alegre. As coisas aconteciam e a gente vivia aquilo sem saber que estava fazendo uma campanha histórica.
Foi nos créditos do Beijo Ardente que pela primeira vez meu nome apareceu escrito sem o César. Na hora não notei.

Décima apresentação do “Bailei na Curva”, teatro lotado.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

21 DE OUTUBRO 1983

Outubro, sexta 21.



  1. Beijo Ardente, overdose.

  2. Elipse absurda


Beijo Ardente, overdose.



Recebi um telefonema da Olho Mágico, produtora da Flávia Moraes para participar de um vídeo. A Flávia era uma das mais importantes diretoras de comerciais, fizemos juntos o Carimbador Maluco e ela esteve muito tempo ligada a poderosa MPM, agencia de publicidade que dominava o mercado. Agora partia para a produção de comerciais e estava engajada em projetos de vídeos independentes. Estava gravando uma história de um vampiro de Porto Alegre que se escondia nas ruínas da Usina do Gasômetro. Toda a classe artística da cidade estava participando e eu esperava aquela oportunidade há algum tempo. Foi marcado para domingo de manhã.



Elipse Absurda


Estava postando quando recebi um convite de Flavia Morais para fazer um piloto em São Paulo. Vinte seis anos depois. Não creio em brujas, pero...


domingo, 5 de abril de 2009

16 DE OUTUBRO DE 1983

Outubro 16.


  1. Carlos Urbim assiste a peça e escreve uma poesia.

  2. Nascimento de um poeta.

    Asssitir a peça começa a produzir efeitos emocionais impressionates. Carlos Urbin foi um destes eventos que marcaram a história de Bailei na Curva. Ela assistiu à peça num sábado a noite. Na saída o encontrei emocionado. Ele estava agitado, falava sem parar. Dizia que a geração dele deveria estar dando o seu depoimento junto com a minha geração que se apresentava no palco. Eu o conhecia pouco, ele era muito amigo do Geraldo Lopes, o que eu conhecia era o jornalista. O que não sabia que ali estava nascendo o poeta.
    Naquela noite, madrugada insone em Viamão, Urbin escreveu uma poesia primeira que tive noticias, antes do Menino Daltônico. O interlocutor imaginário do poema era o Geraldo Lopes, mas a referência maior era para o grupo. Geraldo estava muito emocionado. Na segunda Geraldo me chamou para uma reunião e leu a poesia. Tempo todo com um nó na garganta e lágrimas nos olhos.

Naquele tempo
Também não tive aula.
Como os outros – e o teu tchê
O meu curso em Livramento não funcionou.
Dez anos antes, em agosto
Foi assim de dias sem aulas.
Entre fotos de Luz Del Fuego e Carmen Miranda.
Na capa de O Cruzeiro
A máscara em gesso de Getúlio,
Olhos fechados e uma longa carta.
Mas aí é um pouco antes
De outra história:
Tu ainda não tinha nascido
Eu ainda não ia ao colégio
A Elis Regina ainda não era vesga.
Acho que cantava nas festinhas do IAPI.
Tu me diz, no entanto
A História nunca é outra
Sempre a mesma
O tempo não altera os fatos.
Nós, tchê, é que mudamos
Ou encontramos um jeito de dizer
De expressar o nosso testemunho,
Antes e depois das curvas.
Naquele ano não fomos à aula
As rádios falaram bastante.
Naquele ano
A Elis desceu no Rio,
Um Rio já sem nenhum espaço
Pro Darcy Ribeiro ribeirar
Pintava por aí – aqui e lá
As curvas daqueles que bailaram.
Primeiro de abril,
Quem não gostou botou açúcar
E comeu da mesma panela
Onde a vaca amarela cagou.
Tu diz também, tchê
Pra que eu sempre me lembre bem
Que não há muito o que fazer
Quando o nego tem pela frente
A necessidade de pisar e conhecer
Os paralelepípedos da Rua da Praia.
Mesmo que fosse o momento
De compreender e reproduzir
O gesto e canto
Dos que arrancaram paralelepípedos
Da França Quartier Latin Saint-Michel.
Naquele ano,
Outra curva, novo baile
Na Reitoria
Na Filosofia
Num quarto de pensão.
Apedrejaram Gerd Borheim
E, como o Banco trancou as portas,
Os gritos do pessoal encurralado nas Borges
Não me chegaram até a Carteira de Câmbio
Primeiro andar, Rua Sete, 1968.
Naquele ano, a dor pintou
Na voz de Elis.
Um vento cais, um vento a mais
E eu sem spleeping bag
E sem estrada para fazer auto-stop.
Quer dizer, nem sonhei na travessia.
Naquele ano,
Por falar em sonho e pé na estrada,
Cada Beatle, cada andarilho
Passou a andar sozinho.
Solitária, a legião procurava
Buda, a Cordilheira e Castañeda.
Um sonho curtido nas mesas do Alaska
Sempre os bares e as curvas do Bonfim
E nas mesas da redação do jornal.
Nessas mesas não faltava
O Pasquim – ensaio de uma nova linguagem,
Irreverência sarro semanal
Leila Diniz em todas as mulheres.
Leila na mão, solta no Cine Marrocos
De pulgas e falta de luz.
Naquele ano,
Cada pedra da Rua da Praia
Correspondia a uma dúvida
A todas as angustias encontradas
Nas curvas da vida.
Foi preciso bailar, pois é!
Naquele ano
Ao som de Dom e Ravel
Pelas praias do País ensolaradas
Começava a superprodução
Rede nacional de fazer televisão
Com merchandising e Ibope.
Brasil, fiquei – façamos
Porque aqui existe amor.
Fomos todos para a frente, em corrente
Marcamos homem a homem
Driblamos
Futebol e estatísticas.
Deus foi brasileiro
A Europa acreditou e se curvou
Mais uma vez.
Vivemos a única notícia permitida:
O Milagre.
A Transamazônica é a reta mais longa
Entre dois pontos. Sem curvas,
Carros dopados de gasolina azul
Zunem pela Estrada de Santos
Pelos delírios da BR-3.
O gol mil é das criancinhas pobres
Dom Helder tem parte com o diabo encarnado
Nordeste é uma asa branca em Londres
A Elis e o Caetano e o Gil
Cantam em inglês. O Chico em italiano.
E o exílio é muito longe
E as cartas de Paris e Santiago do Chile
Não chegam.
De ordem superior,
Não se publicam cartas
Que abalam a imagem do País no exterior.
De ordem,
Nem as cartas nem o index dos proscritos
Nem a exigência dos seqüestradores.
Assim como o exílio distante
Ninguém segura o futuro e o progresso
Quando a ordem e a paz social
Estão presentes com mão férrea.
Tudo sob controle, nada mais a comentar.
Naquele ano
Cada paralelepípedo da Rua da Praia
Foi contemporâneo do choro
Contido, enrustido abafado.
Perdoa Vladimir Herzog
Mas os dias eram assim.
Cada curva de Porto Alegre
Cada história de amor
Teve o gosto amargo do medo
O gosto vazio da impotência
Toda a História
Daqueles anos
É puro medo.
Mas a Elis, Porta-estandarte
- Presta atenção tchê!
Vem cantando a antevisão
De um bêbado com chapéu coco,
Sob a lua dona de bordel.
Desses anos, tchê
Tu sabe o que eu sei.
Ou saca o lance melhor do que eu.
Anos 70, já deu pra ti?
Essa tua moçada, década
De sombras e alçapões clandestinos
Me lembra agora
Que apesar de tudo, vivemos
Ternuras
Encontros
Desencontros
Descobertas.
Mesmo que o brilho no olho,
Como todos os brilhos, fossem condenados.
Tu descobriu, tchê
E agora veio me contar,
O início e o fim que
Vira e mexe
Lá vai ele – além das curvas.
E agora, que eu sei
De ouvir cantar
De ver vocês dançarem
Quero estar junto, tchê.
Abraçado ao irmão mais novo,
Em ti restauro a minha esperança.
Recupero a minha utopia
Pra falar manso com meu filho
Sobre os anos que vão passar.
A Elis – me levaram ela embora
Num sol azul, o trem na cabeça.
A Leila virou estilhaços tropicais
E a Rua da Praia tem calçadão
Sem paralelepípedos.
Brasília ainda é a mesma,
O medo quase igual.
Mas olha tchê
Já traçamos juntos algumas curvas.
A tua canção
Me descreve, me emociona, me motiva.
Como tu, cara
Eu não quero me perder por aí.
Pode crer, tchê
Nos oitenta
A gente vai se pechar
Se encontrar
Se beijar


Carlos Urbim



A poesia foi editada na edição da LPM junto com o texto da peça Bailei na Curva. Não há dúvidas que ali nasceu o poeta.