terça-feira, 25 de março de 2008

Diário de Montagem de Bailei na Curva 1983 (12)



Abril, 14.
  1. Nei Lisbônus.
  2. Andradas, 6° andar, Caixa, 19 horas.

O Café do Chinês era um boteco de esquina na Salgado Filho com a Dr. Flores. Tinha um pastel muito oleoso e um café aguado. Talvez por isso mesmo, pelo clima decadente a marginalizado, e porque o dono era um Japonês mau-humorado que era chamado de Chinês por todos, o pessoal da Escola de Teatro se reunia ali durante os intervalos entre as aulas do DAD. Como cafezinho só era servido no balcão, resultava que para sentar-se à mesa, pedíamos uma meia taça e ficávamos destilando nossos projetos e ensaiando confissões. O Café do Chinês portanto era mais do que ponto de encontro dos alunos de teatro, era nossa sala de reuniões. Nesta manhã, como era hábito, um aluno que não lembro o nome, contava o enredo da peça que ele iria escrever. Uma história mirabolante de um casal preso sob o palco de Woodstock e no final se revelava que eles tinham tomado ácido e estavam condenados a morte. Uma história de impacto. Estávamos em silêncio pensando no que dizer para o nosso dramaturgo, quando uma que uma mulher, com uma bolsa peruana a tiracolo, me ofereceu um bônus para um show do Nei Lisboa. Eu assistira uma breve apresentação do Nei num show musical no pátio da Faculdade de Medicina. Nei tinha dezoito anos e sua performance foi uma das coisas mais marcante que assisti na minha vida. Violão e voz na mais perfeita intimidade com a platéia. O bônus incluía um ingresso e serviria também para angariar fundos para a produção do LP que se chamaria “Para Viajar No Cosmos Não Precisa Gasolina”.

Não tinha dinheiro, não comprei, nem fui ao show. Ah, se arrependimento matasse!

Comecei a dar aula para o grupo de teatro da Caixa Econômica Federal. Mais tarde, quando a CEF perdeu suas características e seus funcionários foram cedidos para outras instituições, este grupo passou a se chamar Caixa de Pandora. Dei aulas para este grupo durante todo o período de ensaios do Bailei. E pude fazer vários exercícios que depois aplicava no grupo do Bailei. Supervisionei uma peça do Plínio Marcos chamada “Homens de Papel”. Uma história sobre catadores de lixo que prenunciava o mundo de sem-tetos que hoje tomaram as ruas das grandes cidades. Foi uma experiência muito boa. O grupo da Caixa me permitia experimentar. Um alimentava o outro. Adquiri conhecimento em dose dupla.


Abril, 15.

  1. TV Gaúcha.

Teste para um projeto de tele-dramaturgia na TV Gaúcha, sob a direção de Gilberto Perin. Ele sempre foi um criado ousado, tínhamos tecnologia, diretores, redatores e atores para construir um núcleo. A engrenagem da Rede Globo inviabilizou o processo, abortando e atrasando vinte anos o processo de tele-dramaturgia gaúcho. Se tivesse o processo tivesse acontecido a RBS TV hoje seria teria adquirido uma experiência que a colocaria no mesmo nível da TV Globo. Foi necessários o difícil caminho do Super 8, e percorrer as salas de exibição do Festival de Gramado para que a qualidade do cinema gaúcho que nesta época já produzia, fosse reconhecido. Foi preciso quase quinze anos até Jorge Furtado conquistar o mundo com a Ilha das Flores e o horário morto de sábado a tarde sustentar uma audiência surpreendente com os Curtas Gaúchos. O sucesso da programação com os curtas nos final do anos 2000 e seguintes foi tanto que a própria RBS TV investiu na área. Sempre fico a imaginar o que seria o movimento cultural do RGS se aquele projeto de tele-dramaturgia tivesse decolado em 83.

Assisti a peça do Hermes Mancilha no UNICENA. Chamava-se “Do You Remember Me”. No final tinha uma música cantada pela Elis Regina. Eu adorei. Mais adiante acabei usando, do mesmo disco, outra música da Elis. Vi pela primeira vez o Néco. Cara de homem, jeito de galã. Um metro e noventa, bonito, alto e com uma voz possante. Pensei, na mesma hora, que ele poderia substituir o Torquato na peça. Convidei e ele aceitou.


Abril, 18, segunda-feira.

  1. Renovar livros da biblioteca.

Entrei na Biblioteca da Medicina no prédio da Bio Ciências. Alguns amigos liam. Fui até uma estante e peguei involuntariamente um livro marrom. A Interpretação dos Sonhos de Sigmund Freud. Apanhei por interesse inconfesso, folhei algumas páginas, alguém me chamou e sai da Biblioteca com o livro na mão. No corredor da Faculdade me vi ainda folheando as páginas que falava sobre o inconsciente, pulsão, sonhos. Um mundo misterioso que vive dentro de nós. Absorvido, abri a bolsa peruana que usava e coloquei o livro dentro. Meu primeiro livro de psicanálise foi roubado da faculdade de Medicina. Uma coisa inconsciente é claro.


Abril, 19.

  1. Aula.
  2. Falar com o Alfredo Fedrizzi TV.
  3. Telefonar para Caxias.
  4. Curso em Alegrete.

Foi confirmada a data na Assembléia para o “Não Pensa Muito”. Mais um problema a Sônia resolveu sair da peça para fazer um trabalho com a Maria Helena Lopes. Este trabalho veio a ser uma bela peça: “A Crônica de Uma Cidade Pequena”. Substituição obrigando a uma parada nos ensaios do Bailei.

Fui aprovado para o projeto de tele-dramaturgia que não saiu do papel.

A subsecretaria me contratou para dar um curso de teatro em Alegrete.

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