domingo, 9 de março de 2008

Diário de Montagem de Bailei na Curva 1983 (6)



Janeiro, 18.
Joguei futebol.
Não posso afirmar com certeza, mas tenho a impressão que nesta época se formou o grande e único time de futebol da Escola de Teatro. O que convenhamos dentro de uma Escola de Teatro nunca foi muito fácil juntar cinco pessoas gostassem de jogar futebol de salão. O teatro ainda não tinha o apelo de mídia que a Televisão e, em especial, as novelas conferiram à Arte Dramática. Entrava no teatro queria fazer teatro. Não quem visasse televisão, novelas e muito menos cinema. O destino era o palco. E espetáculo futebolístico não era nenhum festival de delicadezas.
Rememorando
O time era formado por vários atores como João Batista Dimmer, Lui Stassbuger, e por diretores de teatro como Cláudio Cruz, e Beto Ruas. Tinha ainda a participação de um dos gênios da cenografia: Nelsinho Magalhães. E o time se completava com Osvaldo, mais conhecido como Vavá, o folclórico porteiro.
Era ele que marcava os jogos e levava as camisetas e agitava a turma toda.
Durante o curso era freqüente a necessidade de ensaios durante as madrugadas e o Vavá era quem mantinha a Escola aberta fora do expediente. No começo dos anos 80, em meio a uma intensa crise econômica Vavá, sua mulher e seu filho foram despejados. Sem lugar para morar, mudaram-se para a Sala dos Alunos do Departamento. Uma situação totalmente irregular, mas frente a unanimidade Vavá, todos encobriam. Uma família morando no coração de uma Universidade Federal não deixava de criar situações inusitadas. Era freqüente em aulas de Expressão Corporal, que terminavam perto quase uma hora da tarde, acontecer de, em pleno relaxamento, um cheirinho de um bife ou outra fritura qualquer invadir a sala de aula. Demandava muita concentração evitar os roncos do estômago.
Em compensação, os ensaios madrugada adentro eram clandestinamente facilitados por ele. Atualmente ele deve cobrir as folgas de São Pedro na portaria do céu. Qualquer problema, em qualquer hora, é só falar com o Vavá.
Janeiro, 19.
Aniversário da morte de Elis Regina.
A notícia
Um ano antes, Pedro ainda na barriga da Márcia. Estava almoçando, a TV ligada, sala do apartamento 202 na Av. Getúlio Vargas no Menino Deus. Acho que a Márcia estava no quarto e entrou no ar a chamada de informe especial para noticiara a morte da cantora Elis Regina. O ar sumiu de dentro do apartamento. Assim como eu, o Brasil inteiro congelou com a notícia. Dois dias depois Pedro nasceu e a notícia, ainda no hospital, era que o legista, colaborador do regime de exceção, diria que a causa da morte teria sido o uso de cocaína associado ao álcool.
Os jornais falavam do primeiro ano da morte de Elis Regina. Um especial na TV Bandeirantes e outro na TV Gaúcha que eu me programei para assistir. Na Zero Hora, uma entrevista que eu anotei na minha agenda:
A vida não tem paetês. A gente inventa um brilho para ela ficar melhor. Quando eu era pequena em Porto Alegre minha família teve que escolher entre comer ou ter um piano. O brilho que eu inventei depois, então sem piano, fui cantar e fazer de conta que eu era a melhor cantora do Brasil.
A criação é resultado de processo reticular de suportar as perdas e se inventar uma saída onde não tem saída. “Vida, esta causa perdida”, dizia Antonio Abujamra e Bráulio Pedroso escreveu que a vida é “uma aposta sem ter resposta”. Quando a psicanálise entrou na minha vida descobri o pensamento agudamente renovador de Wilfred Bion. Seu último texto publicado em vida foi “Como tirar proveito de um mau negócio”. Estas afirmações ganham um efeito nas palavras de Elis Regina. Há algo que insiste em todos nós. Resistir é preciso e é imperativo criar para sobreviver.
Janeiro, 20.
Rainha do Mar
Garrincha
Fomos passar o fim de semana na Rainha do Mar. À noite, deu na TV que o Garrincha morreu.
Janeiro, 21.
Aniversário Pedro.
Fizemos a festa do primeiro aniversário na praia. Mesa posta ao ar livre, doces e bolo de aniversário, balões e a faixa desejando “Feliz Aniversário”. Quem passasse pela frente de casa imaginaria que era festa comum. Todos alegres, comendo e bebendo. Cantamos “Parabéns a Você”, piadas, gargalhadas. Só aniversariante, Pedro, não fixava o olhar e não podia assoprar a vela. Havia uma alegria desconfiada no ar.
Na madrugada assisti ao filme “Garrincha Alegria do Povo” num aparelho de doze polegadas com uma imagem cheia de chuvisco.

Um comentário:

Jones disse...
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