segunda-feira, 4 de maio de 2009

12 de dezembro de 1983

Dezembro, segunda-feira, 12.



  1. Apresentação extra.

  2. A primeira briga: toda glória é fugaz.

Apresentação extra.
Final da temporada e uma sensação de que aquilo que era sólido poderia se disolver no ar. Precisava de um registro. O texto, embora estabilizado pelo palco, tinha um registro precário. Isso sem falar de que ainda estava em evolução. Toda semana tínhamos piadas novas, formulações de texto diversas. O texto forjado sob o signo da improvisação guardava um frescor que se renovava a cada apresentação. O ritmo das falas era frenético, o elenco era energia pura palco. A coisa estava viva e em constante movimento. Uma forma teatral difícil de teorizar, pois era a um só tempo singela e complexa.


Gravações de VHS era uma raridade. Contratamos uma empresa para gravar a peça afim de reter, em algum lugar além da nossas memoras, o momento que vivíamos. Não via com aquilo pudesse ir muito adiante, mas não queria que terminasse.
Airton Bebeti, um colega meu do Colégio N.S. do Rosário gravou o espetáculo. O equipamento era rudimentar. Nada a ver com as câmeras compactas de hoje. Era uma parafernália que exigia o próprio aparelho de videocassete e uma série de fios e transformadores elétricos. O resultado foi uma gravação simples, câmera parada, nenhum movimento. Airton Bebeti estava, como nós, aprendendo um ofício.

A primeira briga.
Foi justamente neste dia que tivemos a primeira grande briga no Bailei. Acho que foi por causa de alguns goles a mais de conhaque que o Hermes tomou e que a Regina se irritou com um travalíngua na cena da Casa da Dona Elvira e foi isso. O conhaque era frequentador constante dos camarins de teatre e tradicionalmente usado sob o pretexto de aquecer a voz. Porém corre-se sempre o risco ficar além da dose recomendada. Hermes e a Regina discutiram ainda antes de enrtarem em cena, depois durante a peça e a confusão avançou sobre todos invadindo o camarim. Quando subi com a câmera para gravar os bastidores, vi um camarim de guerra, rostos tensos, ansiedades e parecia que todos tinham se calado quando entrei acompanhado do cameramen. Parecia uma cidade sitiada com mísseis verbais atravessando o espaço que subitamente silencia para verificar os estragos. O espelho refletiu um estado de agressão inédito mas latente. O depoimento da Claudia foi muito querido. Enquanto arrefecia os ânimos ela varria o camarim. A câmera veio até ela que, marota, falou que a vida era cheia de emoções acumulada e às vezes tínhamos que botar para fora. Depois varrer a sujeira. Meu depoimento foi de indignação. Como é que podia ter uma platéia de quinhentos pagantes aplaudindo de pé e uma briga infantil dentro do elenco. Na parede do camarim, herança de outro espetáculo, uma frase escrita com pincel atomico carregava a sabadoria dos séculos de vaidade humana cujas legiões romanas vitoriosas tinham que prestar culto: toda a glória é fugaz. Pedi para Bebeti gravar aquela frase. Teatro é a arte da transitoriedade e mesmo assim uma das tarefas humanas mais difícil é lidar com o transitório. A vaidade exige eternidade, doce ilusão. A briga foi o prenuncio da dificuldade de administração de um sucesso. Existem dois eventos fatais para um grupo de teatro: um grande fracasso ou um grande sucesso. O caminho do meio, o médio, o medíocre é sempre constante. E tranqüilizador. Aquela briga no palco da Assembléia era uma pequena nuvem num céu cristalino. Mas, com se sabe, uma pequena instabilidade ao amanhecer, pode-se revelar uma tormenta no final do dia.


Esta foto foi tirada quase um ano depois do episódio acima descrito. Foi a volta da viagem do Projeto Mambembão 1984. Depois de meses em cartaz no RGS a viagem através do Brasil, mesmo com todo o conforto de hotéis e passagens aéras, a tensão cresceu e preparava-se a cisão. Aqui podemos ver os rostos cansados e a melancolia que se aproximava do grupo.

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